Então aconteceu o SXSW – South by Southwest, evento que fala sobre tendências e futuro, que aconteceu em março, nos EUA. O encerramento ficou por conta de Bruce Sterling, escritor de ficção científica norte- americano, que observou que os computadores morreram. (Você pode ouvir a gravação aqui http://bit.ly/ZslHYF).
Em seu discurso, Sterling mostrou que a “disrupção pela disrupção” em que vivemos esvazia os sentidos e não leva a nada – ele alinhava imagens fortes com a ebulição de hoje. Ao comparar nossos avanços com a civilização que simplesmente saiu de sua cidade cuidadosamente montada no cânion, lugar perfeito, ele fez uma parábola que mostrava o quanto a mania de deixar para trás o que veio antes deixa, simplesmente, espaços vazios. Na sequência, decretou várias mortes, além do computador: dos blogs, da literatura, dos livros.
Sim, é exatamente isso que você está lendo: os computadores não deram as caras nas falas do SXSW 2013, e Sterling decretou a morte deles. Depois dos smartphones, chegam o Google Glass e (talvez) o relógio da Apple. E cada vez mais o que se vê nos livros dos cyberpunks, a turma de Sterling, tornam-se mais concretos no nosso dia a dia: um computador “para vestir”, interfaces que se integram totalmente ao ser humano e afins.
Conversar sobre como as interfaces estão evoluindo com Luli Radfahrer, PhD em comunicação digital (USP-SP), é certeza de ser transportado, na velocidade do pensamento dele, a outros horizontes e muita reflexão. “Acho que há uma confusão entre invisível e desaparecer”, diz Luli. “A gente não sabe quantas vezes por dia usa a energia elétrica, mas sem ela paramos. Dizer que o computador vai morrer é uma frase de efeito de um homem que já errou. Sterling sempre lembra o seu erro de previsão sobre a Wikipedia – que dizia fadada ao fracasso”, lembra.
O que acontece é que o gadget cria linguagem, explica Luli. Com isso, surgem novas palavras (como slide, pinch e press, que surgiram com o iPhone) e muda o jeito como vemos e experimentamos o mundo. A interface é isto: um jeito de experimentar, de acessar informação.
Luli continua: “Boa parte das coisas que usamos são interfaces: livros, música, filme e videogames, por exemplo. Sim, esses objetos tendem a desaparecer. O computador, entretanto, deve ficar invisível. Funcionar de outro jeito. (…) Falta é algo inteligente como a gente. Temos, hoje, pequenas inteligências. Ainda falta o eletrônico que aprende”.
Segundo André Passamani e Cris Dias, da Mutato, que estiveram lá no SXSW e ouviram Sterling ao vivo, o que nos levará à frente é exatamente a experiência e a conversa. “O modelo será fazer barato e compacto, em geral. Mas a regra não é absoluta, tem que saber o que está fazendo”, disse Cris.
Quem tem 40 ou 50 anos viveu grandes mudanças. Além do fax, que todo mundo tinha no escritório na década de 90, já trocaram a coleção de CDs por HDs lotado de música e hoje fazem backup de arquivos na nuvem. “Hoje a gente vai só com o iPad, compra notebook novo, instala Chrome e Dropbox e está pronto para trabalhar”, diz André.
André e Cris reforçam que a história toda é como se projeta a interface: “a grande história é um algoritmo que permita uma conexão mais inteligente entre as redes, aprovações, likes, curtidas”. Ideia que Luli também tem sobre a evolução da interface: “é mais uma questão de software, algo mais inteligente que permita misturar, por exemplo, busca com bookmarks”, diz o professor.
Nas palavras de Luli: “Tecnologia é como um ônibus, as novidades entram e todo mundo se ajeita. De vez em quando um desce, como o fax ou o zip drive. Se vem um como o iPhone, é como se entrasse um grandão”.
O que está faltando, na opinião dos três especialistas em mercado digital, é a interface que vai permitir digitalizar a vida como nós, humanos, a percebemos. Porque se a tecnologia mais valiosa é a memória, como lembra André Passamani, todos vivemos a ressaca da hiperconexão.
Falta, ainda, segundo Luli, a função fática. Afinal, para os humanos, tudo é linguagem – e essa é uma das grandes vantagens cognitivas do ser humano. “Nós compreendemos a linguagem natural, isso ainda é impossível com os eletrônicos”, explica.
Com a visualização de dados, que o Google Glass permitirá à medida que os aplicativos aparecerem, provavelmente as dicas chegarão na hora exata. E, claro, cada novo gadget vai precisar de tempo para amadurecer e se transformar na interface “do futuro”.
Com tudo isso, tanto André Passamani como Cris Dias concordam. E eles acrescentam: “O Sterling acerta quando diz que estamos viciados na disrupção. E o grande barato está na conexão”. André lembra, inclusive, da frase do próprio Sterling que ele traduziu e tatuou: “Custa caro ser humano”.
Cris Dias acrescenta: “tudo isso só faz sentido se juntar pessoas, senão, é spam. A geração da minha filha poderá ter mais views no YouTube do que a Xuxa tem de audiência”.
Com a palavra, Sterling, nas últimas frases de sua fala, em tradução livre: “vá além do fator uau! Ninguém tem as mãos limpas. Nós matamos. Nós criamos o caos, a disrupção e esvaziamos os sentidos. O século XX morreu. Nós matamos o passado com o que fizemos. Nós temos que comer o que matamos. É o jeito digno e corajoso de incorporar o passado a nós mesmos. Assim, podemos usar esse passado para formar novas coisas. E a fênix poderá surgir”.
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Por Lúcia Freitas
Esta matéria foi publicado originalmente na Revista iMasters. Acesse e leia todo o conteúdo.