O conceito de direção de arte ganhou grande importância nos EUA a partir dos anos 40, fruto da necessidade da publicidade e do cinema de representar o “american way of life“. Cada detalhe era exagerado em sua carga simbólica na busca de exteriorizar a imagem da perfeição e da supremacia pretendidas pelos americanos.
Um bom exemplo deste princípio estético e político que permeava o processo de criação e produção é esta cena do filme The Milkman (“O leiteiro”) de 1950, protagonizada por Donald O’Connor, que interpreta a canção The Early Morning Song (“A Canção do Amanhecer”).
Todos elementos da linguagem audiovisual são propositadamente “arrumadinhos” para garantir a plena compreensão da obviedade da cena que é conduzida com extremo zelo de cenografia, enquadramento, “mickeymousing” ( técnica de representar cada movimento ou intençao da cena com elementos rítmicos e melódicos explicitos) e com uma coreografia algumas vezes em forma de pantomima, outras vezes em movimentos extraídos da arte circense.
Como pano de fundo: casas, ruas, cozinhas, cercas, jardins, figurinos…. Tudo na mais perfeita exaltação da “beleza americana”, que mais tarde seria retratada de maneira decadente no filme de mesmo nome do diretor Sam Mendes.
Estes elementos e conceitos da direção de arte permeiam a produção audiovisual, respeitando as especificidades de cada meio também na mídia impressa e nos meios digitais.
Mas quem é o profissional responsável pela direção de arte na web ? Para responder a esta pergunta, vou voltar um pouco no tempo e responder quem era o profissional de web quando eu começava a migrar para esta área , por volta de 1997. Em geral, eles tinham dois perfis bem distintos :
- Tecnológico: O pessoal de informatica, computação, engenharia, matemática e áreas afins – Para eles, a Internet era uma nova possibilidade de linguagens, códigos, sintaxes. Geralmente desprovidos de qualquer senso estético, uma página web era qualquer representação gráfica de um monte de linhas de código.
- Artístico: O pessoal de cinema, rádio e tv, artes, comunicação e áreas afins – Para estes, a web era um novo suporte para suas elocubraçoes visuais e sonoras, um novo meio de comunicação. De novo o meio era mensagem, a nova aldeia global.
Essa batalha entre a arte e atecnologia já rendeu livros, filmes , teses e também discussões intermináveis nas agências e produtoras :
“Qualquer analista profissional de tendências nos dirá que os mundos da tecnologia e da cultura estão colidindo. Mas o que surpreende não é a própria colisão; é o fato de ela ser considerada novidade” – JOHNSON, Steven. Cultura da interface: como o computador transforma nossa maneira de criar e comunicar.
Quando do surgimento da fotografia na metade do século XIX, dizia-se que estava decretado o fim da pintura. Quando o tímido experimento dos irmãos Lumiere ganhou dimensões comerciais, dizia-se que o teatro e os musicais se extinguiriam. O mesmo se falou da televisão em relação ao rádio. De certo modo, isto se manteve inalterado até a última década do séc. XX, momento a partir do qual a revolução digital e a Internet começaram a varrer os últimos guerreiros analógicos das trincheiras da mídia.
Aos poucos, quebramos a lógica de McLuhan que dizia que o meio é a mensagem. Hoje o meio ou o suporte passa a ser indiferente, já que a informação digital rompe a parceria entre forma e conteúdo: o conteúdo são os bits e a forma pode ser aquela que quisermos em qualquer dispositivo que realize a decodificação dos bits… Hoje, na segunda década do século XXI, estas questões começam a ficar para trás. A revolução digital já era!
Falar em revolução digital tinha sentido para aqueles que nasceram no mundo analógico e acompanharam a transição dos átomos para os bits. Do VHS para o DVD, do vinil para o iPod. Que sentido tem falar em revolução digital para a geração que nasceu após 1995 e não conheceu o mundo sem web, MP3 e afins? Interatividade agora é palavra-chave!
Os profissionais desta nova geração não têm mais necessidade de digitalizar o mundo, mas sim de interagir com ele. Este novo profissional, que começa a ser muito requisitado pelo mercado, é aquele que faz a ponte entre o digital e o interativo; é aquele que transita com desenvoltura entre as referências históricas e as últimas novidades tecnológicas.
Voltando especificamente para a web, é importante dizer que não é mais possível ter um olhar individual sobre as camadas de conteúdo, apresentação e comportamento, pois elas se completam e se mesclam interligadas pela semântica. Não existe mais nada gratuito e supérfluo. Tudo deve ser relevante para a construção dos significados.
- Novos recursos de tipografia, antes impensados, agora tornam-se prática comum viabilizando um número de fontes e padrões praticamente infinitos – não mais como imagem, agora com como texto indexável e semântico;
- CSS Regions, CSS Shaders e CSS Compositing permitem projetos responsivos e fluidos que não ficam devendo nada aos complexos layouts antes exclusivos da mídia impressa;
- WebGL e Canvas aproximam a web do mundo dos games, da animação e da realidade aumentada;
- O formato SVG ( imagem vetorial baseada em XML ) veio para ficar;
- ARIA e o cuidado com acessibilidade permitem construir experiências ricas de navegação para todos os públicos;
- UI e UX tornam-se setores estratégicos dentro das empresas.
É a época mais fascinante e inovadora da web desde de sua criação!
Karen Myers, W3C