Nos últimos anos, os dados sobre as pessoas estão ficando cada vez mais acessíveis, e importantes para as organizações. Quando a coleta de dados surgiu em cena, deixou muita gente empolgada com a quantidade de informação que era possível obter, além da possibilidade de alavancar o crescimento dos negócios.
Mas o que de fato podemos fazer com esses dados? Como eles podem ser utilizados? E, principalmente, o que significam? Vemos muita preocupação em apenas coletar e guardar todos esses dados em uma grande montanha – assim como Smaug fez com o ouro dos anões em Erabor – mesmo sem uma resposta para essas perguntas.
Confesso que fico animado em perceber que o mercado parece estar amadurecendo e saindo da fase onde essas perguntas não tinham relevância, e indo para um patamar onde se experimenta e se discute o que representam, além de buscar maneiras de aproveitar essas informações para que tragam um retorno consistente.
Estamos indo além da visão macro, e entrando em uma camada onde estes dados ficam cada vez mais segmentados e pessoais. Grandes empresas de serviço têm começado a desenvolver sistemas complexos e inteligentes para recomendação de conteúdo e evolução da experiência, como é o caso da Netflix, da 3M, da Disney e do Spotify.
A Netflix, por exemplo, realiza pesquisas, testes e análise de métricas para melhorar não apenas a experiência de uso, mas também o próprio posicionamento do produto. Um exemplo disso está na evolução do modelo de negócio da empresa, indo além do streaming e partindo para a produção de conteúdo próprio, com base em dados e preferências do seu consumidor, como foi o caso do grande sucesso “House of Cards”. Eles conseguem, por exemplo, identificar em qual episódio a pessoa realmente se engajou com o conteúdo assistido.
Para entender como podemos utilizar todos esses questionamentos como uma forma de entregar soluções e experiências mais coerentes e que consigam acompanhar as necessidades das pessoas, é importante primeiro compreender a importância dos dados, e como esse acesso a informação relevante impacta em nossa disciplina.
Dados, comportamento e contexto
“Quando eu olho para estes mesmos números, eu vejo padrões de comportamento, necessidades e motivaçoes.”- Arianna McClain
Mais relevante do que saber quando e onde impactar as pessoas, é a oportunidade de começar a entender melhor a necessidade delas e a forma como se comportam diante de determinado contexto.
Clayton Christenses, professor de Administração em Harvard, reconhecido por seu estudo em inovação dentro de grandes empresas, em um de seus vídeos para a universidade de Phoenix, fala de uma situação onde os números indicavam que o lançamento de um novo produto seria um sucesso, mas após o lançamento ele se mostrou um fracasso. Intrigado, ele e sua equipe precisaram ir até a loja para observar o comportamento das pessoas e entender o contexto em que elas compravam o determinado produto, e de que forma isso estava impactando na jornada dos clientes.
Olhar para as métricas sem um propósito não nos permitir enxergar aquilo que elas realmente significam. Em nosso universo, quando pensadas estrategicamente, essas métricas podem nos ajudar a compreender o comportamento das pessoas. As necessidades e expectativas das pessoas diante de um determinado contexto sempre foi o foco da nossa disciplina, apoiado em duas características que são a base de um profissional de UX: empatia e questionamento.
A empatia nos ajuda na busca pela compreensão das necessidades, sentimentos, contexto de uso e expectativas das pessoas que se relacionam com nosso produto ou serviço. O questionamento, base de qualquer disciplina relacionada a design, nós torna capazes de ir além dos briefings e metas da organização, que muitas vezes acabam por maquiar o verdadeiro cenário.
A busca pela compreensão através da observação e acompanhamento de resultados foram métodos que estruturam a forma como trabalhamos hoje. O acompanhamento e análise de dados nos permite pensar em soluções reativas, que consigam evoluir em etapas, levando em consideração dados que permitem a identificação de padrões e estejam contextualizados.
Max Mckeown, autor do livro “Estratégia, do planejamento à execução”, afirma que o mundo é mais complexo que nossa capacidade de planejar, e por isso reagir a eventos é tão importante quanto planejar. Ele afirma ainda que nossas visões sobre futuro são incompletas e que estamos sujeitos a pequenos, médios e até grandes eventos que desafiam a proposta inicial, mas que trazem oportunidades para desenvolver um trabalho ainda melhor. E essas afirmações se encaixam perfeitamente na visão de produto/UX. Por mais que realizemos testes, acompanhamentos e entrevistas, as necessidades e expectativas das pessoas são suscetíveis a mudança.
Clayton Christenses, defende, em “O Dilema da inovação”, que muitas organizações utilizam todos os recursos e envolvem várias setores para o lançamento de novos produtos, mas não sabem que passo dar a seguir.
A análise de dados para acompanhamento e evolução de produtos leva a UX para um novo estágio. Agora é possível observarmos e entendermos padrões em partes distintas do processo, sendo capazes de estabelecer uma experiência reativa de acordo com respostas e necessidades das pessoas de maneira contextualizada, e fornecendo informações para constituição de novas hipóteses no desenvolvimento de novas soluções, etapas e processos.
Big Data e UX
Existem muitas razões pelas quais as organizações não pensam antes de planejar/projetar, e entre as mais comuns estão a falta de tempo ou a dificuldade em justificar o investimento necessário para o desenvolvimento de uma experiência consistente.
Em situações assim, quando o resultado é positivo, a falta de método ou planejamento é exaltada como um grande conhecimento sobre o negócio ou sobre seu público consumidor. Mas quando os resultados são negativos, ninguém sabe explicar porquê, e se inicia uma guerra interna onde cada setor justifica as decisões jogando o problema para o alto. É como imaginar um navio saindo do estaleiro sem uma tripulação ou uma rota definida, completamente a deriva, com as pessoas comemorando o fato de que esse navio não afundou, mas sem saber dizer ao certo para onde ele vai.
A verdade é que muitas vezes não nos inserimos corretamente nas etapas estratégicas do projeto. Diferente do que acontece em outros países, onde nossa disciplina é mais madura, no Brasil ainda é muito comum relacionar o profissional de UX à estrutura ou à superfície de uma experiência, associando a UX inteiramente à Arquitetura da Informação e ao Design de Interfaces. Por isso, projetar ou planejar sem conhecer minimamente as pessoas, contextos, necessidades e o que a solução a ser entregue representa para o ecossistema da organização, infelizmente, ainda é uma realidade.
Toi Valentine, em sua talk “The death of creativity” para o Adaptive Path, fala que a nossa geração esqueceu da importância de observar e pesquisar, e que nos preocupamos muito mais com a execução e respostas rápidas, deixando de lado as pesquisas, testes e acompanhamentos. Ao final da talk, ela propõe um equilíbrio entre execução e pesquisa, unindo o melhor das duas gerações.
A tomada de decisão embasada por dados é algo fundamental para começarmos a nos posicionar como profissionais estratégicos dentro das organizações. Além de criarmos experiências com valor, precisamos saber justificar o investimento de tempo e recursos para atingir os objetivos necessários.
Como utilizar dados a nosso favor: Bottom-up-Bottom
John Steel afirma em seu livro “A arte do planejamento” que o desenvolvimento de pesquisas é algo essencial para se comunicar com as pessoas, mas que também traz uma grande responsabilidade para aquilo que está sendo afirmado. Muitas vezes uma pesquisa mal desenvolvida pode trazer impactos negativos para a organização.
Rochelle King, designer de produto na Spotify, alerta em sua TED Talk “The complex relationship between data and design”, que quanto mais mergulhamos nos dados, maior a probabilidade de nos perdemos entre os números e esquecermos que eles representam ações de pessoas reais num mundo real.
Para entregar soluções consistentes que possibilitem um desenvolvimento escalonável, capazes de antever e lidar com melhorias e necessidades não previstas anteriormente, é imprescindível ir além do acompanhamento de dados questionar com inteligência: o que eu quero saber? Por que eu preciso desses dados? Quais hipóteses quero validar? O que eu preciso acompanhar para minhas decisões futuras? O que esses dados me dizem sobre comportamento? Eles podem ser validados/comparados com outras informações?
Esses questionamentos podem e devem acontecer em etapas distintas de um projeto, por isso é interessante trazer o metódo Bottom-up, de Jesse James Garret, com uma camada adicional de dados evidentes acima da superfície, capaz de alimentar a base estratégica.
O início
O time de UX da área de soluções em saúde da 3M, por exemplo, traz todos os dados disponíveis para validação de métodos qualitativos (pesquisas, mapas e entrevistas) ainda na base estratégica, ou seja, no início do projeto, que é onde a base estratégica está sendo formada, e acabará direcionando as demais etapas do desenvolvimento. Aqui acontecem etapas um pouco mais longas de pesquisa e de levantamento de hipóteses. As perguntas macros são “a onde você está?” e “aonde você quer chegar?”.
- Quem são as pessoas que consomem seu produto ou serviço? (personas)
- Como é o mercado da sua organização?
- Quais as especificidades do nicho?
- Quais as oportunidades?
- Quais os pontos de atenção?
- Como o ecossistema da sua organização é impactado?
- O que seus concorrentes tem feito?
- O que outras empresas de segmentos diferentes tem feito?
- Quais os objetivos do projeto?
Desenvolvimento
Durante o desenvolvimento do projeto, a definição das KPI’s (em inglês “Key Performance Indicator”, ou “Indicador-chave de desempenho”) é algo essencial para determinar se um projeto está indo bem ou mal. O que eu preciso acompanhar e quais ferramentas vou utilizar?
- Quais os objetivos do projeto?
- O que pode ser mapeado em cada um dos pontos de contato?
- O que eu irei acompanhar?
- O que precisa ser melhorado?
Acompanhamento
O acompanhamento e análise de métricas nos dá a oportunidade de sermos reativos, ou seja, mudar o rumo da estratégia do produto, transformando problemas em oportunidades e oferecendo uma experiência contextual com as necessidades e expectativas das pessoas.
- Seus objetivos estão sendo alcançados?
- Quais as oportunidades?
- Quais os pontos de atenção?
- Quais os insights?
- Quais padrões foram identificados?
- Como você pode evoluir a solução?
Conclusão
O uso de dados em produtos deve ser vistos como uma ferramenta para evidenciar comportamentos, porque um projeto não termina após seu lançamento, e ter à disposição métricas inteligentes é essencial para planejar, melhorar e evoluir seu produto ou serviço constantemente com os objetivos da organização.
Mas isso não deve ser entendido como a solução de todos os problemas. Christenses tem uma fala que faz muito sentido no contexto desse assunto, afirmando que dados são baseados em ações passadas, e por isso eles não nos fornecem clareza do que fazer adiante, sendo preciso obter hipóteses consistentes constituídas a partir de uma forma de pensar, e que por isso é interessante a busca pelo entendimento de conceitos de planejamento e estratégia.
A relação entre os dados e a UX tem impactado de forma positiva nossa disciplina. Apesar da sobrecarga de funções e conhecimentos, ela está possibilitando a formação de profissionais que consigam embasar e executar com agilidade suas ações, evoluindo seus produtos e serviços com necessidades contextualizadas.
Alguns pontos positivos que podemos aproveitar:
- Envolver o time de UX em etapas estratégicas do projeto;
- Municiar a justificativa de projetos e investimentos;
- Possibilitar o desenvolvimento de soluções escalonáveis;
- Possibilitar o acompanhamento reativo de produtos e projetos;
- Aumentar a compreensão sobre padrões de comportamento, pessoas e contexto;
- Dar mais visibilidade sobre os impactos nas cadeias relacionadas ao negócio;
- Permitir a resolução de eventos antes que se tornem problemas;
- Facilitar o engajamento e participação das equipes;
- Transformar hipóteses em decisões.
Referências
Caso você queira se aprofundar neste assunto, deixo abaixo algumas referências de estudo e pesquisa. Boa leitura:
- Livro Estratégia, do planejamento à execução (Max Mckeown)
- Livro A arte do planejamento (John Stel)
- Livro O Dilema da Inovação ( Clayton Christensen)
- What Chicken Nuggets Taught Me About Using Data to Design (Arianna McClain)
- A Netflix sabe exatamente qual episódio de cada série fisgou o público
- How To Design With Discipline: UX Lessons From 3M
- Understanding the Job
- The complex relationship between data and design in ux
- The death of curiosity