Desenvolvimento

31 dez, 2015

Comunidade e desenvolvimento por um mundo melhor

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Este artigo foi publicado em 31/08/2015. Por ter sido considerado um dos melhores artigos de 2015, foi republicado hoje.

Uma pessoa que passa dias e noites em frente ao computador sem falar com ninguém. Se alguém tem essa visão dos profissionais de tecnologia e desenvolvimento, ou até mesmo de si mesmo (a), é porque nunca ouviu falar das comunidades que abrigam esses profissionais.

Apesar de não haver nenhuma informação exata de quando ou onde as comunidades começaram, elas surgiram da ideia de que a troca de conhecimento entre diversas pessoas pode ser uma ótima forma de aprender, ensinar e desenvolver coisas bacanas – um ciclo positivo para construir um mundo melhor.

Tudo muito bonito, muito fascinante. Mas, apesar de ter me apaixonado pelo conceito de comunidades desde o momento em que recebi o tema como pauta da revista iMasters, algumas perguntas precisavam ser respondidas, antes que qualquer conclusão fosse feita. O que faz com que uma comunidade dê certo? No final das contas, a colaboratividade, sem objetivos financeiros ou de qualquer outra natureza, a não ser o simples fato de ajudar alguém, realmente funciona?

Para Anderson Casimiro, Community Manager do iMasters, CTO da Agrosmart e Ativista do PHPSP, as comunidades nascem para suprir uma necessidade comum de seus membros. “Desde os primórdios, existem demandas como distribuição de recursos, de comida, abrigo etc. No mercado de tecnologia em específico, a necessidade normalmente existe principalmente por conta da qualificação precária”, explica Casimiro. Nada mais natural, então, que solucionar o problema fomentando o conhecimento de profissionais mais experientes através desses grupos.

Foi assim que Pedro Castro, que trabalha com Photoshop desde 2002, encontrou o Fórum iMasters. “Eu estava começando com o Photoshop e procurava um bom site com tutoriais e dicas para aumentar meu conhecimento”, conta ele.

Hoje, Castro – mais conhecido online como Pheliz – é um dos administradores do Fórum iMasters. E ele conta que os principais “benefícios” de estar em uma comunidade, além de aprender e compartilhar conhecimento e fazer uma boa rede de amigos, é a possibilidade de fazer tudo isso de forma aberta e, “o melhor, sem pagar nada”. “Quem não participa de nenhuma comunidade online deveria tentar participar de uma. Com certeza todos têm alguma área de interesse e existem diversos fóruns que podem ser interessantes seja de assuntos profissionais, seja de assuntos de seu hobby ou entretenimento”, aconselha Castro.

Humberto Zanetti, professor e mestre em Ciência da Computação e também cofundador da comunidade Fatecino (Clube de Arduino da Fatec de Jundiaí), explica que a principal motivação para se criar uma comunidade é acreditar que o ambiente colaborativo é a melhor maneira de aprender e se engajar em alguma tecnologia. “A troca de experiência dentro de um grupo é algo raro de se conseguir em outro ambiente”, diz Zanetti.

Além de “abrir os olhos” de muitos iniciantes e pessoas que não têm determinado tipo de experiência, a troca de ideias com pessoas de interesses em comum acaba despertando um rico senso de ‘cocriação’. “Sem dúvida o ponto mais forte é o incentivo a criar e colaborar com projetos de outras pessoas, o que nos leva a ter novas ideias sobre nossos próprios projetos”, explica Zanetti.

Daí o que acontece é que muitas vezes a experiência de trocar conhecimento nas comunidades é tão marcante que se torna a principal motivação de seus membros. “A motivação vem do simples prazer em ajudar, em ver que de alguma forma, para aquela pessoa ou grupo, você pode fazer a diferença”, conta a desenvolvedora PHP Thamara Hessel.

Envolvida em comunidades desde 2009, quando começou a buscar referências e artigos de forma aleatória na Web, Thamara viu seus esforços em comunidade realmente valerem a pena depois de publicar o trabalho DojoOnline. Foi quando ela conheceu Rafael Pimentão, um desenvolvedor de Belo Horizonte que estava começando e queria muito fazer um sistema para mudar sua realidade profissional. “O Rafael começou do zero e depois de nossas conversas conseguiu fazer seu primeiro sistema”, conta.

Para Thamara, o mais bacana da comunidade é a ligação que as pessoas criam, a preocupação com a “elevação do próximo, o querer que o outro saiba também para crescer junto”, acrescenta.

Outro “incentivo” que contribui para o sucesso das comunidades é a inexistência de vínculo empregatício, regras ou normas pré-estabelecidas, como explica Cal Evans, um dos principais representantes da comunidade PHP em todo o mundo. “Não existem regras. Na nossa comunidade, por exemplo, você já é um membro, desde que seja programador PHP. Não precisa ser daqueles ativos para te consideramos como parte do grupo”, disse Cal. Mas é claro que existe o mínimo de organização, para que o grupo não se torne um ‘caos total’. No caso da comunidade Nomads PHP, o trabalho é centrado principalmente nos User Groups. “Não somos coordenados por um centro, mas nós temos um grupo de organizadores que conversam uns com os outros de forma regular via e-mail”, diz Cal.

Um bom exemplo de que você pode fazer grandes coisas como voluntário, sem necessariamente ter um vínculo com alguma empresa, é o caso do designer de interface, Vinicius Depizzol. Quando Vinicius entrou para a faculdade, acabou “botando a mão na massa” de verdade em um projeto desenvolvido dentro de uma comunidade.

“Fazia coisas como se eu estivesse empregado; desenvolvia telas de aplicativos, interface do usuário, fazia testes de usabilidade… Fui conhecendo gente fora do meu ‘circuito’ e acabei ganhando uma experiência que fez muita diferença”, conta Depizzol. Com o networking adquirido nas comunidades, Depizzol acabou recebendo uma proposta irrecusável para trabalhar na startup Xamarim em São Francisco (CA), onde está há mais de três anos.

Uma comunidade também pode ser criada com o objetivo de disseminar a tecnologia de uma determinada empresa – alguns exemplos são Google, Microsoft e os GDGs. “Empresas também ganham quando trazem o espírito de comunidade para dentro de casa. Times de desenvolvimento podem ser comunidades”, explica Casimiro.

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Luis Leão é co-organizador do GDG (Google Developer Group). Para ele, as melhores experiências vividas no grupo são encontrar gente nova, com vontade de criar coisas diferentes com tecnologias disponíveis e ver alguns projetos saírem do papel, principalmente com foco em impacto social. Esses fatores o animam a continuar no grupo. “A gente já tem uma comunidade grande, com pouco mais de 2 mil membros, e é muito bom ver pessoas que apenas participavam do grupo e que hoje palestram e são conhecidas por outras comunidades além do GDG”, conta Leão.

Os eventos também são outra forma de incentivar os membros da comunidade a se engajarem, gerar networking qualificado e dar oportunidade para que eles possam realizar palestras, demos, workshop, codelabs, entre outros. “Como profissional, isso gera algumas mudanças em como você enxerga o mercado. Ao mesmo tempo, você se sente mais responsável pelo que apresenta e como representa a comunidade”, afirma Leão, que participou da organização do DevFest, evento que reuniu cerca de 600 participantes. “Ao mesmo tempo que é um desafio, é muito gratificante  receber o feedback positivo de quem participou”, conta Leão.

Como fazer um mundo melhor a partir das comunidades?

A dica é: encontre um grupo local e se envolva. Seja voluntário para ajudar. Fale, escute, patrocine, seja um anfitrião. “O que quer que você possa fazer, faça. As pessoas doaram o tempo delas para que você pudesse ter linguagens de programação, como o PHP, agora é a sua vez de retribuir isso ajudando outras pessoas”, diz Cal Evans.

Para Thamara, a expectativa é de que a comunidade do futuro seja valorizada por empresas e governos que apoiem o crescimento profissional. “Aliás, é exatamente isto que as comunidades de desenvolvimento querem: “um mundo melhor”. Assim como na medicina, na engenharia ou mesmo matemática, os desenvolvedores de uma forma geral amam compartilhar descobertas do seu dia a dia, e talvez isso tenha vindo dos primórdios da computação popular, quando todos apenas queriam ver algo novo e melhorar o que já existia, apenas por ajudar”, finaliza Thamara.

Já para Zanetti, a comunicação será a grande problemática a ser superada. Para ele, por mais organizada que seja a comunidade, ainda é preciso fazer com que pessoas com interesses ou dúvidas em comum se comuniquem e troquem experiências. “É a questão da Inteligência Coletiva. Conseguir integrar pessoas com conhecimentos e habilidades diversificadas e uni-las em um propósito comum será um grande desafio”, disse Humberto.

Realizar mais eventos que envolvam as comunidades e promover conteúdos para cada nível de aprendizado é um dos objetivos a serem seguidos por Leão. “Vejo que seria importante diversificar mais as atividades, inclusive com conteúdo não muito técnico, para daí darmos condições de surgirem projetos dentro da comunidade, com a pegada de aprendizado e até mesmo voltados para impacto social”, finaliza Leão.

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Artigo publicado na Revista iMasters