É muito famoso o conceito de startup formulado por Eric Ries, em seu livro Lean Startup, no sentido de que “é uma instituição humana desenhada para criar um novo produto ou serviço em condições de extrema incerteza”.
Por isso, muitas vezes os novos empreendedores iniciam a execução de seus projetos sem se preocuparem com uma estrutura jurídica e contábil mínima e necessária a fim de evitar maiores problemas no futuro. Isso ocorre na medida em que startups adotam custos extremamente enxutos, minimizando despesas, pois ainda não há certeza da viabilidade do negócio.
Ocorre que, algumas vezes, a redução de custos, por si só, pode redundar em prejuízos futuros. Isso porque alguns empresários acabam optando pela contratação de profissionais contábeis sem qualquer conhecimento específico do mundo das empresas startups, bem como relegam os advogados para os chamados momentos de crise.
Desde o estouro da bolha da tecnologia no final dos anos 1990, o mundo mudou e a famosa ideia da empresa de garagem formada por um grupo de jovens gênios que almejam encontrar um investidor que colocará uma pequena fortuna na sociedade para o projeto deslanchar já desapareceu. Atualmente, os investidores esperam encontrar um projeto minimamente organizado e sustentável, pois, como explica Eric Ries, a “atividade fundamental de uma startup é transformar ideias em produtos, medir como os clientes reagem e, então, aprender se é o caso de pivotar ou perseverar. Todos os processos de startup bem sucedidos devem ser voltados a acelerar esse ciclo de feedback”.
De mais a mais, vale lembrar que esses investidores, sejam eles agências de fomento, fundos de investimentos ou investidores-anjos, vêm acompanhados, além de toda a sua experiência, de advogados especializados ou de grandes bancas, contadores, auditores etc.
Embora a administração do negócio não seja a parte, digamos, mais envolvente de um projeto startup, é essencial, e compete ao empresário, pensar um pouquinho nessas questões, tanto quanto na estrutura tecnológica necessária para fazer o produto rodar.
Assim, vamos voltar atrás no tempo, embora, desde já, esclareça-se que não pretendemos inovar ou esgotar nenhuma matéria, mas apenas ajudar o empreendedor em seus primeiros passos.
O novo empresário provavelmente terá sócios e parceiros no projeto. E o início do projeto é o momento adequado para se estabelecer as regras de relacionamento entre sócios e colaboradores, assim como estabelecer as decisões societárias e as responsabilidades de cada um dos participantes do empreendimento, entradas de novos sócios, forma de pagamento de dividendos e até mesmo prever as regras para o caso de saída de algum sócio.
A definição da estrutura societária logo no início das operações da startup também será muito importante para o futuro da nova companhia, pois influenciará a forma de distribuição de lucros, bem como o aporte de capitais pelos investidores. A legislação brasileira possui diversos modelos, como sociedade anônima por ações, sociedade limitada, EIRELI (empresa individual de responsabilidade limitada) etc., sem falar em figuras previstas na legislação societária, como Sociedades em Conta de Participação (SCP) e Sociedades de Propósito Específico (SPE), que podem ser bastante úteis em determinados modelos de negócios.
Mais recentemente, as startups passaram a adotar um novo modelo de contratação chamado vesting, a fim de atrair consultores, executivos e grandes talentos do mercado, com garantia de progressiva aquisição de participação no capital social das novas empresas. Contudo, os contratos de vesting precisam ser elaborados com extremo cuidado, regras claras, e percentuais e prazos de opção muito bem definidos, para não frustrar as partes contratantes, bem como não afugentar os futuros investidores.
A partir daí, a startup deverá tomar decisões tributárias bastante relevantes que poderão impactar na lucratividade dos sócios, bem como nas relações com os investidores, como no caso de escolha dos sistemas de apuração do lucro real ou lucro presumido, e mesmo a opção pelo Simples Nacional (ou até a figura do Microempreendedor Individual – MEI).
Essas escolhas são importantes e deverão ser adotadas de acordo com as peculiaridades dos negócios, custos e despesas da empresa. Por exemplo, se a empresa puder usufruir de benefícios fiscais oferecidos pelo Governo Federal, terá que, obrigatoriamente, adotar a apuração dos tributos federais pela sistemática do lucro real. De outra forma, caso a empresa tenha que efetuar o pagamento de royalties relativos a softwares ou patentes para o exterior, a opção pelo lucro real também poderá ser interessante. Por outro lado, se a empresa não puder aproveitar créditos para o sistema não-cumulativo do PIS/COFINS, a fim de reduzir o montante daquelas contribuições, talvez seja o caso de adotar a sistemática do lucro presumido. E por aí vai.
Recentemente, o Governo Federal encaminhou um projeto de lei que estabelece a opção para as empresas adotarem ou não o regime de desoneração fiscal da contribuição previdenciária patronal de 20% em substituição de uma alíquota de 2% (que será majorada para 4,5% pelo mesmo projeto de lei).
Nesse caso, quando a referida legislação for aprovada pelo Congresso Nacional, as empresas que atuam no setor de prestação de serviços de tecnologia da informação (desenvolvimento de programas de computador, elaboração, licenciamento ou cessão de uso de softwares, processamento de dados, instalação e manutenção de programas e sistemas etc.) precisarão fazer anualmente uma análise em relação ao faturamento versus folha de pagamento para determinar se vale a pena se manter no programa de desoneração fiscal.
E já que estamos na seara da relação de emprego, nunca é demais lembrar como o sistema de proteção dos direitos trabalhistas brasileiro é extremamente complexo e exige das empresas verdadeiros malabarismos de custos a fim de atender às disposições da CLT, do FGTS, e às exigências dos sindicatos, como a introdução de programas de participação nos lucros e resultados das empresas (PLR) em benefício aos funcionários.
Você não vai querer apresentar um grande negócio para um possível investidor que já nasce com um passivo fiscal e trabalhista.
Tudo isso sem considerar que o modelo de negócio precisa estar adequado e obedecer às melhores práticas de regulamentação, governança corporativa, princípios contábeis, de controladoria, ou normativos do setor em que atua. É o chamado compliance, que exige muitos cuidados e atenção do novo empresário para fazer cumprir as normas legais e regulamentares, as políticas e as diretrizes estabelecidas para o negócio e para as atividades da empresa, bem como evitar, detectar e tratar qualquer desvio ou inconformidade que possa ocorrer.
A adequação das empresas aos regulamentos de compliance, em especial daqueles adotados pelos investidores, é cada vez mais exigida em um mundo em que a transparência passou a ser pré-requisito para aceitação da empresa no mercado.
Exemplo disso constitui a discussão pública patrocinada pelo Ministério da Justiça acerca do Anteprojeto de Lei de Proteção de Dados Pessoais.
O desenvolvimento de tecnologias que enviam ou capturam dados sem qualquer controle do usuário, bem como serviços adicionados, passará a requerer, após a votação dessa legislação, como contrapartida à facilitação diária, a adoção de cuidados jurídicos para que as empresas não se vejam em grandes enrascadas com os seus consumidores.
Assim, mais do que nunca, os chamados “termos de aceite”, “acordos de confidencialidade” e “políticas de privacidade” serão de suma importância para os negócios que envolverem tecnologia da informação e Internet das Coisas, demandando regras de compliance extremamente rígidas quanto ao uso e tratamento dos dados pessoais para proteção dos usuários.
Portanto, é certo que os empreendedores no modelo de startups, dado o ambiente de incerteza em que existem, devem se preocupar com a redução continua de custos, mas não devem abrir mão de se cercar de bons consultores e de profissionais que entendem as regras dos mercados onde irão atuar. A sustentabilidade de um negócio, por mais brilhante e inovador que seja o projeto de negócio, vai depender da compreensão do empresário quanto às diversas regras jurídicas e regulamentadoras que regem o mercado.
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Artigo publicado originalmente na Revista iMasters: http://issuu.com/imasters/docs/revista-imasters_ed14-issu