Carreira Dev

29 dez, 2010

Se ninguém te entende… a culpa é sua. Ou nossa.

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Minha mãe não entende o que eu faço para viver. Minha namorada também
não. A maioria dos meus amigos que não são da área também não. Para
todos eles eu trabalho com computadores. E ponto.

Antes que vocês achem que eu estou em crise, o problema é pior, porque não é meu, é nosso. Realmente este texto é sobre uma crise, a crise de identidade da nossa área, a área de desenvolvimento de software. Essa crise nos ataca de fora para dentro. Isso porque nós, desenvolvedores, não temos nenhuma dúvida de quem
somos, do que fazemos, para que fazemos, porque isso é importante, útil e
por aí vai.

O problema é que a grande maioria de nossos clientes não entende nenhum
desses aspectos. Eles sabem que “mexemos” no computador, essa caixa
misteriosa que faz coisas, resolve problemas e às vezes quebra.

Sem o mínimo de conhecimento da nossa área pelos clientes, negociar se
torna uma tarefa tremendamente difícil. Terminamos sendo obrigados a
utilizar metáforas de áreas mais próximas ao cliente para que o ele
possa entender nossos jargões e processos.

O problema é que, como toda
tradução por similaridade, o resultado é cheio de imperfeições. E o
ruído dessa tradução ruim é um dos motivos de muitos projetos se
tornarem muito mais complicados do que deviam.

Esse é um dos motivos pelos quais terminamos presos a práticas da
engenharia civil (muita gente deve ter sentido um arrepio ao ler isso).

Por exemplo, quando falamos em “construir” um software, já começamos a
nos enredar por metáforas que inicialmente parecem claras, mas não são.
Afinal, se algo vai ser “construído”, é como uma “obra”. “Obra” tem prazo.
Se eu construo uma casa em dois meses com dez operários, com vinte eu
faço na metade do tempo. Então, com vinte desenvolvedores…

Pronto, confusão feita. Como tirar a metáfora da cabeça do cliente
agora? Como conseguir introduzir conceitos como escopo negociável,
entregas parciais, e todas estas outras práticas que são inerentemente
da nossa área?

Acho que a solução vai parecer utópica, mas é bem verdadeira. Precisamos
dar visibilidade ao que fazemos, ao processo de como um software é
desenvolvido. Daí o cliente teria base para entender as metáforas, pois
as entenderia adaptadas ao nosso contexto.

“Marcelo, você está ficando doido. Você quer ensinar o cliente a programar?” Isso seria ótimo, mas não é isso.

Os “não engenheiros” entendem a complexidade de construir uma ponte,
mesmo sem nunca ter construído uma. Os “não médicos” entendem de como
uma operação pode ser complicada, e como tem consequências.

Isso ocorre porque essas áreas, de uma maneira ou outra, conseguiram
expor para o mundo dos “não da área” seu funcionamento, alguns dos seus
processos, os desafios do seu dia a dia e por aí vai.

O funcionamento da engenharia civil é exposto pela sua presença maciça
ao redor de todos nós. Todo mundo já construiu ou conhece alguém que
construiu algo. A medicina perdeu boa parte de seus “mistérios” com os
seriados médicos. Depois de Plantão Médico, Grey’s Anatomy e House, todo
mundo arrisca seus diagnósticos.

Precisamos também tirar essa aura de mistérios do nosso trabalho e
aproximá-lo das pessoas. O ensino de programação básica nas escolas (tão
comum fora do Brasil) seria uma excelente opção. A criação de textos,
blogs e livros que fizessem uma  ponte com os leigos também seria
algo excelente. E o principal, se cada um de nós gastasse um pouco de
tempo explicando a alguém próximo (pai, mãe, namorada, amigo) o básico,
os meandros do desenvolvimento, acho que com o tempo novas
possibilidades de comunicação surgiriam.

Porque é muito mais fácil negociar com alguém que tem um mínimo de noção do que você está falando. Quando o engenheiro fala que não pode mudar aquela pilastra de lugar, as
pessoas entendem. Quando o médico fala que a operação no menisco vai
ter um pós-operatório de dois meses, ninguém questiona.

Seria bom se pudéssemos simplesmente falar com o cliente, e não
convencê-lo de que são necessárias três semanas para alterar aquela
funcionalidade, não é? Bom, só depende da gente. A caminhada é longa, então é melhor começarmos logo. Ou então continuaremos chorando, falando que ninguém nos entende

***

 Fonte da figura: www.cartoonstock.com/directory/c/computer_programer.asp