Nesta série, estamos revivendo alguns dos melhores artigos publicados no Portal iMasters durante o ano de 2017. A ideia é que o material não se perca e você possa relembrá-lo, entrando em 2018 preparado para receber mais conteúdos tão bons quanto esse!
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Esse artigo é uma tradução livre, adaptada e autorizada de “How Kotlin became our primary language for Android”, publicada por Dima Kovalenko autorizada pelo próprio autor.
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Alguns meses atrás, nossa equipe resolveu tentar uma coisa nova: desenvolver uma aplicação comercial totalmente em Kotlin, uma nova linguagem de programação da JetBrains. Nós já havíamos tido uma experiência com Kotlin anteriormente, mas em uma escala muito menor (convertemos algumas partes de alguns aplicativos para essa nova linguagem ou, então, alguns projetinhos particulares). No entanto, o desenvolvimento de um aplicativo comercial em uma nova linguagem de programação tem alguns problemas a se considerar:
- Nós estávamos muito acostumados com Java para Android. Mudar para Kotlin foi difícil, especialmente para desenvolvedores sem nenhuma experiência anterior com a tal programação funcional.
- Algumas coisas simplesmente não funcionam. Dagger, por exêmplo, não funcionou bem para nós.
Tudo isso poderia nos levar a perder prazos e a questões mais escabrosas sobre a estabilidade da aplicação.
Tínhamos que ter bons motivos para fazer a transição. Nosso maior incentivo foi a crença de que Kotlin vai ser uma mudança de jogo para o Android. E claro, por que é divertido.
Mantendo essa vontade de desenvolver em Kotlin, começamos a desenvolver o aplicativo Voter.
Um pouco sobre Kotlin
Kotlin é uma linguagem JVM com interoperabilidade 100% de acordo com o Java, e se você estiver familiarizado com essa linguagem, aprender Kotlin é fácil. No entanto, se você quiser tirar melhor proveito da linguagem, entender conceitos de programação funcional é essencial.
E olha que a tal de programação funcional não é fácil. Pelo menos no começo. Até que ela se torna divertida… Eu recomendo fortemente que você faça alguns cursos, como o do Martin Ordersky, chamado “Functional Programming in Scala”. A Scala pode ser um saco às vezes, mas dá uma visão geral da nova mentalidade de programação funcional. Você pode tratar Kotlin como uma versão mais simples e legal do Scala.
O que nos fez mudar para o lado Kotlin da força?
O jeito ‘programação funcional’ de ser
Como eu já disse antes, Kotlin é 100% interoperável com Java. Além disso, é uma linguagem funcional; e isto quer dizer que permite escrever um código mais elegante e expressivo.
1. Funções puras
O conceito de uma função pura (uma função que não tem efeitos colaterais) é o conceito funcional mais importante que nos permitiu reduzir muito a complexidade do código e livrar-se dos estados mais mutáveis e problemáticos.
Em linguagens de programação imperativas, como JavaScript, Java e C #, os efeitos colaterais estão em toda parte. Isso torna o debug muito difícil porque uma variável pode ser alterada em qualquer lugar no seu algorítmo. Então, quando você tem um bug porque uma variável é alterada para um valor errado na hora errada, onde você olha? Em todo o código? Isso não é bom.
Observe como manipulamos os dados sem alterar o conteúdo.
fun flatTree(tree: TreeNode): List<TreeNode> = listOf(tree, *tree.children.flatMap(::flatTree).toTypedArray())
2. Funções de alta-ordem
Funções de alta-ordem tomam funções como parâmetros, como retorno ou como ambas.
Funções de alta-ordem estão em toda parte. Você só passa funções para coleções fazendo com que o código fique fácil de ler. titles.map { it.toUpperCase()}. Parece até linguagem natural. Não é maravilhoso?
Vamos imaginar uma situação onde nós queremos contar o número de mensagens não lidas de diferentes tipos.
Seria mais ou menos assim:
private fun getUnreadCountFromUsers() { val conversations = datasource.getConversations() var count = 0 for (conversation in conversations) { if (conversation.recipientId != null) { for (message in conversation.messages) { if (message.unread) { count += 1 } } } } } private fun getNumberOfUnreadAttachmentsInGroupConversations() { val conversations = datasource.getConversations() var count = 0 for (conversation in conversations) { if (conversation.groupId != null) { for (message in conversation.messages) { if (message.unread && message.type == MessageType.ATTACHMENT) { count += 1 } } } } }
Quando são introduzidos novos requisitos, o código se torna ilegível e incontrolável. Vamos ver como podemos resolver este problema com funções de alta-ordem:
private fun getNumberOfAttachmentsInGroupConvesationsFun() { return getCount({conv -> conv.groupId != null}, {it -> it.type == MessageType.ATTACHMENT && it.unread}) } private fun getUnreadCountFromUsersFun() { return getCount({conv -> conv.recipientId != null}, {message -> message.unread}) } private fun getTotalNumberOfMessages() = getCount({true}, {true}) private fun getCount(convFilter: (Conversation) -> Boolean, messageFilter: (Message) -> Boolean) { datasource.getConversations() .filter(convFilter) .flatMap { it.messages } .filter(messageFilter) .fold(0, { count, message -> count + 1}) }
E podemos imaginar casos de uso onde gostaríamos de parametrizar o argumento da função fold para calcular o produto das mensagens não lidas. Outro exemplo de uso de funções de alta-ordem é a substituição de vários Listeners por uma função alta-ordem simples:
BillingView : LinearLayout { var billingChangeListener: (() -> Unit)? = null ... } ... // in an activity far, far away billingView.billingChangeListener { updateUI() }
3. Imutabilidade
A imutabilidade torna mais fácil escrever, usar e raciocinar sobre o código (classes são estabelecidas uma vez e, em seguida, inalteradas). O estado interno dos componentes da sua aplicação será mais consistente. Kotlin reforça a imutabilidade introduzindo val , bem como as collections do Kotlin, que são imutáveis por padrão.
Uma vez que o val ou uma collection é inicializada, você pode ter certeza sobre sua validade. Veja um exemplo para uma definição mais precisa de val:
data class Address(val line1: String, val city: String) val items = listOf(Address("242 5th St", "Los Angeles"), Address("Dovzhenka St. 5", "Kiev"))
4. Null-safety
Esse recurso de linguagem nos fez pensar cuidadosamente sobre a nulidade de campos em nossas classes de modelo. Anteriormente, você não tinha certeza sobre qual campo no DTO foi inicializado ou não, as anotações @Nullable e @NotNull ajudavam, mas nem tanto.
Agora, com Kotlin, você sabe exatamente qual campo pode ser nulo, qual campo é inicializado mais tarde (por exemplo, campos injetados com Dagger) e você tem controle estrito sobre esses campos. Resultado? Quase sem NullPointerExceptions.
brand?.let { badge.enabled = brand.isNewBadge } // também pode ser escrito assim: badge.enabled = brand?.isNewBadge?:false
5. Anko
O Anko DSL é uma grande biblioteca que simplifica significativamente o trabalho com views, threads e ciclo de vida de activities do Android. A descrição no Github afirma que Anko é “desenvolvimento de aplicativos Android agradável” e realmente provou ser assim mesmo.
selector(items = listOf("Like", "Dislike") { when (it) { 0 -> if (!liked) likePost() else -> if (!disLiked) disLikePost() } } doAsync { // Long background task uiThread { alert(R.string.could_not_log_in) { yesButton { dismiss() } cancellable = false }.show() } }
Observe que quando o uiThread é chamado dentro da activity, o bloco não será executado se isFinishing for true. Nós não usamos esse recurso, pois o RxJava lida com todos os threading em nossos aplicativos, mas é algo válido de se lembrar.
Usando Anko ao invés de XML
Embora Anko não esteja pronto para substituir a build padrão da UI do Android, às vezes pode ser muito útil.
verticalLayout() { friendsPanel = friendsPanel.with(friendsData).lparams(width = matchParent) politicalMapCardView { setMarker(quizManager.getMarker()) }.lparams(width = matchParent) { topMargin = dip(10) } cardView() { verticalLayout() { topPadding = dip(5) textView(getString(R.string.register_question)) blueButtonView(text="Register here") { onClick { browse("https://www.uptech.team") } } } }.lparams(width = matchParent) { topMargin = dip(10) bottomMargin = dip(20) } }
Como você pode ver, o Anko DSL permite que você use custom views junto com as views padrão do Android. Isto é uma grande vantagem sobre XML padrão.
Kotlin Android extensions: Removendo a necessidade de usar ButterKnife
@Bind(R.id.first_name) protected EditText firstName; @Bind(R.id.last_name) protected EditText lastName; @Bind(R.id.address_line1) protected EditText addressLine1; @Bind(R.id.address_line2) protected EditText addressLine2; @Bind(R.id.zip_code) protected EditText zipCode; @Bind(R.id.state) protected TextView state; @Bind(R.id.state_spinner) protected HintSpinner stateSpinner; @Bind(R.id.city) protected EditText city; @Bind(R.id.frag_shipping_address_save_btn) protected Button saveBtn; @Bind(R.id.agreement) protected TextView agreement; @Bind(R.id.email) protected EditText email; @Bind(R.id.password) protected EditText password; @Bind(R.id.create_account_container) protected LinearLayout accountContainer; @Bind(R.id.member_container) protected LinearLayout memberContainer; @Bind(R.id.logged_in_title) protected TextView loggedInTitle; @Bind(R.id.user_email) protected TextView userEmail; @Bind(R.id.sign_out) protected TextView signOut; @Bind(R.id.scrollview) protected ScrollView scrollView; @Bind(R.id.dummy) protected EditText dummyView;
Ainda entediado? Então, acho que você desceu aqui sem ler o artigo. Em Kotlin, você não precisa de nada disso. Você pode fazer referência à sua propriedade de exibição pelo seu parâmetro @ id, essas propriedades teriam o mesmo nome declarado em seu arquivo XML. Mais informações podem ser encontradas direto na documentação oficial.
Outras funcionalidades interessantes
1. Extension functions & Construtores
items = StoreInfo().apply { storeItems = fetchItems() }.let { manager.process(it) } container.apply { removeAllViews() items.forEach { addView(ShopItemView(context).withData(it)) } } fun ShopItemView.withData(item: StoreItem): ShopItemView { title = item.title image = item.image Brand.findById(item.id)?.let { brandName = it.name } }
Apply, let e extension functions podem ser facilmente usadas para criar construtores elegantes.
2. Uma dica para os Padawans
Nos primeiros dias, você vai muitas vezes empacar em um problema: você talvez não saiba como escrever uma expressão bastante simples de Java em Kotlin.
O truque é escrever o código em Java e depois colá-lo em um arquivo Kotlin. Graças ao pessoal da JetBrains, ele é convertido automaticamente para o Kotlin. Gambiarra? Sim, mas funciona!
3. Livre-se de dependências desnecessárias e outras porcarias
Kotlin substitui um monte de bibliotecas de terceiros, como ButterKnife, Google Autovalue, Retrolambda, Lombok e alguma coisa de RxJava.
Enfim…
Como uma equipe de desenvolvimento de software, o principal desafio que temos é entregar grandes produtos e sermos eficazes em nosso trabalho. Embora para começar a desenvolver de forma eficaz em Kotlin você precise de algum conhecimento prévio em programação funcional, investir um tempo para aprendê-la realmente compensa.
Acredito que Kotlin seja uma grande melhoria em relação ao desenvolvimento convencional de aplicativos Android, o que nos permite oferecer excelentes aplicativos em tempo e com muito menos bugs.
Sinta-se livre para fazer perguntas. Teremos o maior prazer em ajudar-nos uns aos outros nesta transição. Compartilhe seus pensamentos/ comentários abaixo!
“Programming is the most fun you can have with your clothes on” – John Guttag
Referências
- Documentação do Kotlin
- So You Want to be a Functional Programmer
- Why Functional Programming Matters
- 6 Benefits of Programming with Immutable Objects in Java
- Anko DSL vs Android XML-First
- Lessons from converting an app to 100% Kotlin
- Result: Voter Application. 99.8% crash-free users
- Kotlin: val does not mean immutable, it just means readonly