Acabei de
ler um livro chamado “Easy Riders, Raging Bulls” (Peter Biskind). Ele trata de
um momento muito interessante do cinema americano, que foi a passagem dos anos
60 para os 70, quando surge a Nova Hollywood (New Hollywood) e toda uma série
de mudanças de paradigmas que ocorreram nesta época.
Até então,
quem comandava a criação dos filmes eram os produtores, que eram os homens que
controlavam o dinheiro, sendo relegada aos diretores a função de simplesmente
coordenar alguns aspectos técnicos.
Os
produtores definiam o que era rentável, isto é, o que geraria efetivamente
lucro nas bilheterias (elenco, roteiro, etc.), e os diretores simplesmente
viabilizavam, executavam a visão de seus financiadores.
Um exemplo
disso é “E o vento levou”, que teve três diretores diferentes, George Cukor,
Victor Fleming e Sam Wood (alguns textos falam em cinco diretores), mas que é
muito mais lembrado pelo seu produtor, David O. Selznick, que controlou todos
os aspectos da produção com mão de ferro.
Em geral,
o caráter autoral/artístico da obra não existia, fora casos raros como o de
Orson Welles. Ao produtor cabia a opção de alterar todos os aspectos de um
filme, tudo para torná-lo um sucesso comercial.
Porém, do
outro lado do Atlântico, o cinema era realizado com uma mentalidade totalmente
diferente. Para as escolas europeias (principalmente a francesa e a italiana), o
filme era uma visão do diretor. O produtor deveria financiar/viabilizar a obra
como um mecenas, que através de seu dinheiro estimulava a arte. Mas a palavra
final de cada aspecto era do diretor.
A mudança
nos EUA ocorreu aos poucos. Um grupo cada vez maior de novos e talentosos
diretores partilhava da visão europeia, mas era brecado pela visão hegemônica
até então (da Hollywood Clássica): a do filme como um produto comercial e sem
pretensões artísticas.
Tudo mudou
quando dois jovens atores realizaram, bancados por uma produtora com uma visão
mais alinhada com o “cinema de autor”, o clássico “Easy Rider”.
Como está na Wikipedia:
“A box office hit with a $19 million intake, along
with Bonnie and Clyde and The Graduate, Easy Rider helped kick-start the New
Hollywood phase during the late 1960s and early 1970s.[9] The major studios
realised that money could be made from low-budget films made by avant-garde
directors?”
Dessa
forma, o eixo do poder tinha mudado. A Nova Hollywood estava inaugurada e o
poder era dos artistas, dos criadores, dos diretores.
Isso abriu
caminho para uma série de filmes que mudaram a história do cinema. Francis Ford
Coppola fez “O Poderoso Chefão”, Martin Scorcese fez “Taxi Driver”, numa lista
que poderia preencher várias linhas.
Porém, o
poder, sempre ele, virou a cabeça dos seus novos senhores.
Os filmes,
inicialmente de baixo orçamento, começaram a ficar cada vez mais caros e
grandiosos e os prazos cada vez maiores (“Apocalipse Now”, por exemplo, começou
com um orçamento de $2 milhões e fechou em $31 milhões). Por outro lado, as
bilheterias foram minguando.
No sonho
de realizar a grande arte, os diretores perderam o foco. O que veio a seguir
foi uma série de fracassos de público e critica que culminou com a quase
falência de vários estúdios.
A Nova
Hollywood termina com a chegada dos anos 80. Os estúdios, cansados da sangria
financeira, passaram a dar preferência a projetos mais focados no gosto do
público e com mais garantia de retorno. Filmes mais comerciais, voltados ao
lucro, feitos por diretores estreantes que aceitavam se dobrar aos desígnios de
quem entendia de controlar e ganhar dinheiro, isto é, os produtores.
Mais uma
vez, o eixo do poder tinha mudado.
Bonita
história, mas o que tem a ver conosco da área de desenvolvimento?
Até a
década de noventa do século passado, estávamos fortemente ligados a técnicas e
a metodologias vindas da engenharia, principalmente a Civil. Éramos da área de
exatas e construíamos coisas, logo, as metáforas deveriam servir. Mas não
serviam. Algo não encaixava, afinal, construir pontes é bem diferente de
construir softwares.
A gestão
era fortemente calcada no processo fabril. Se um operário monta duzentos
carburadores por dia, podemos medir a produtividade do desenvolvedor por linhas
de código escritas, correto? Não, não estava correto. Isso não media nem
produtividade. Na verdade, não media nada efetivamente.
Essa era a
nossa fase da “Hollywood Clássica”.
O
Manifesto Ágil surgiu como uma nova visão sobre o desenvolvimento de software.
Uma visão criada por pessoas da comunidade, por desenvolvedores como nós, que
conheciam nossa realidade e nossos problemas.
Inicialmente
essa mudança de paradigma foi vista com maus olhos por quem não estava ligado
diretamente à nossa área. Gerentes, gestores e clientes muitas vezes confundiam
agilidade com falta de controle, falta de planejamento.
Mas as
iniciativas-piloto foram mostrando seu valor. Projetos foram sendo realizados
com sucesso e, aos poucos, o que era uma ideia estranha passou a ser uma
possibilidade. Algo para realmente ser levado a sério.
Assim,
chegamos ao nosso momento atual, que pode ser a nossa “Nova Hollywood” do
Desenvolvimento. Nunca os clientes estiveram tão abertos à inovação, à
experimentação. Palavras como “Agilidade”, “Scrum”, “Leam” já não são vistas
com desconfiança e sim como possibilidade, como algo sério e viável.
Porém,
quem não aprende com os erros do passado está fadado a repeti-los.
Ultrapassamos
a visão hegemônica da “Hollywood Clássica” do desenvolvimento de software, no
entanto, é preciso que tomemos muito cuidado para não nos perdermos no poder,
como ocorreu com os diretores na “Nova Hollywood”, e acreditar que o desenvolvimento
(como muitos pregam) é um fim. Por mais que eu discorde muitas vezes disso
(assunto bom pra outro post) somos, na maioria das vezes, um meio.
Um meio de
alavancar negócios, gerar diferenciais competitivos, diminuir custos e elevar
lucros. Dessa forma, não é hora de debater se somos artistas ou não, se isso é
ágil ou não, se Leam é melhor que Scrum (ou vice-versa) ou se podemos fazer
isso ou aquilo. Não podemos perder o foco para não cairmos em fracassos como os
diretores da nova fase hollywoodiana. A hora é de mostrar resultados. Mostrar
retorno. Mostrar serviço.
Por mais
que seja bonito falar sobre isso, não importa para o cliente se a metodologia A
ou B nos torna melhores desenvolvedores. Nossos clientes querem software
funcionando, com qualidade, entregues no prazo e dentro do custo. Querem
controle e informações sobre seus projetos. Querem ver, efetivamente, onde
estão colocando seu dinheiro.
Temos que
ter liberdade com responsabilidade.
Afinal,
não basta somente ser sucesso de crítica (sendo o herói da técnica A ou B).
Temos que ser também sucesso de bilheteria (fazendo a diferença e gerando
lucros). Senão, por mais técnicos que formos, acabaremos saindo de cartaz.
Pensem
nisso.