O rastreamento de dados na web é um assunto polêmico e recheado de visões diferentes. Cada interessado tem uma posição quanto ao uso de dados pessoais como moeda de troca ou fonte de informação estratégica para empresas, governos e pesquisadores. Dados de usuários podem ser coletados de diversas maneiras e as regulamentações dos países com relação à coleta e uso também estão em pleno desenvolvimento e amadurecimento. É por isso que a reflexão sobre rastrear ou ser rastreado é tão importante para desenvolvedores Web.
A coleta e análise de dados de comportamento do consumidor é uma ciência anterior ao surgimento da web. Especialistas em comportamento e psicologia que estudam os consumidores sempre utilizaram técnicas, como filmagem e observação, para saber como aproveitar melhor os impulsos de compras dos seres humanos para vender mais e melhor cada produto. A colocação de produtos em prateleiras ou a maneira como as escadas dos shoppings podem ser dispostas não é aleatória e sempre utilizou o ser humano como objeto de estudo para esta definição.
A web trouxe uma ferramenta importante dentro desse contexto: o navegador. A coleta, a parte mais custosa da análise do comportamento de compra, ficou fácil com ele, que possui o papel de intermediário entre o conteúdo que está na Internet e os usuários. Com o browser ficou muito mais fácil gerar conteúdo direcionado para cada pessoa. Após o tema segmentação, o mundo passou a falar em customização, ou seja, o mercado individualizado e a venda direcionada. Esse mecanismo é a base do modelo de negócios mais famoso da Web: a venda de anúncios direcionados. O Google, a ferramenta de busca mais utilizada do mundo, recebeu seu impulso primordial justamente a partir da venda de anúncios customizados através de sites de terceiros, um negócio de gênio.
Pesquisadores, por outro lado, despertaram para a utilização dessas possibilidades na ciência. A descoberta de padrões era algo impensável nas dimensões que pode ser realizada hoje em dia, através da web. Não é difícil, por exemplo, coletar dados de busca e cruzar com dados científicos para traçar tendências de comportamento. Os pesquisadores que se debruçam sobre redes sociais, principalmente, ganharam um playground para estudar e determinar teses baseadas em estudos de interação entre pessoas, através da análise de dados.
O rastreamento das atividades na Web pode servir para analisar o desempenho e direcionar a entrega de conteúdos da melhor forma para o usuário final. Essa é uma estratégia de tanto sucesso que existem casos de sites de e-commerce que intensificaram a prática para entregar conteúdos e produtos da melhor forma e no momento exato em que o consumidor precisa, como a Amazon, por exemplo. Existem consumidores que preferem ser rastreados, mas a utilização de dados pessoais de comportamento em massa chamou a atenção de defensores da privacidade.
Os governos também começaram a olhar de maneira diferente para o rastreamento de informações dos usuários na web. A possibilidade de ativar a geolocalização e acompanhar a localidade dos cidadãos se mostrou útil para alguns governos, tais como o dos Estados Unidos. Em junho de 2013, Edward Snowden trouxe à tona documentos que comprovaram que a National Security Agency (NSA) fez o rastreamento de pessoas pelos celulares. Mas, antes disso, a prática já era comum e só se estarreceu quem não sabia da existência e funcionamento de cookies, metadados, entre outras ferramentas da web.
O fato é que tecnologias de análise de comportamento e dados demográficos são parte do planejamento de aplicações web e websites, e são variáveis que podem determinar o sucesso ou falha de um negócio. O importante, quando se fala em rastreamento na Web, é colocar o poder sobre os dados nas mãos do usuário. Segundo Wendy Seltzer, Policy Counsel do World Wide Web Consortium (W3C) e professora da escola de direito de Yale, “todos podem aprender como proteger a sua privacidade na Internet e determinar quais aspectos do rastreamento são muito invasivos, se forem informados das escolhas que podem fazer. Se a escolha é parte da interação e tem valor para o indivíduo, ou se as pessoas entenderem que o rastreamento é parte de uma negociação entre fornecedor de conteúdo e usuário, que recebe como valor o conteúdo customizado, isso significa que a interface precisa mostrar as escolhas que o consumidor pode fazer”.
Pensando na proteção nativa do direito de escolha, o W3C reuniu especialistas em um Grupo de Trabalho chamado “Proteção ao Rastreamento”, que tem como objetivo definir melhores práticas e uma plataforma comum para a proteção de dados de usuários que navegam na web. Os resultados dos esforços desse grupo são visíveis e tiveram um grande impacto na política de browsers e aplicações, que agora tem como princípio deixar que cada pessoa escolha se quer fornecer os dados em troca da experiência customizada ou não.
Em outras palavras, a ideia é aumentar e melhorar a privacidade do usuário, ampliando o controle que ele tem sobre seus próprios dados. O grupo de trabalho do W3C procura padronizar as tecnologias e significados que envolvem o “Do Not Track” e o “Tracking Selection Lists”.
Um dos resultados mais bacanas desse trabalho, que ainda está em curso, é o CookBook para o não rastreamento que procura orientar desenvolvedores na hora de produzir aplicações e websites. O escritório brasileiro do W3C traduziu a principal parte do cookbook, que está disponível em http://www.w3c.br/pub/Home/WebHome/CookBookDNT.epub.
Aos poucos a web vai sendo modelada pelos padrões para se tornar mais segura e confiável para todos. Para o que antes parecia um monstro de sete cabeças, hoje, já temos soluções baseadas em padrões livres e abertos. Ainda existem mais estudos em outros grupos sobre como tornar a Web um ambiente ainda melhor e fica aqui o convite para quem desenvolve aplicações: pensem nos usuários!