DevSecOps

22 set, 2003

Kevin Mitnick no Brasil

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Eventualmente, as personalidades mais amadas também
são as mais odiadas. Esse é o caso de Kevin Mitnick,
o hacker mais famoso de todos os tempos e que, com sua história,
transportou o personagem do invasor de redes e computadores do
universo da informática para as páginas de livros,
telas do cinema e imaginação de todos.

Na semana passada, Mitnick esteve em Salvador como
um dos palestrantes do IT Conference, evento que durante três
dias reuniu executivos das principais empresas brasileiras para
discutir as tendências da tecnologia da informação.
Hoje, o hacker é presidente da firma de segurança
Defensive Thinking e escritor. Seu primeiro lançamento
foi A arte de enganar, dedicado à engenharia social, técnica
usada pelo hacker para conseguir que sua ‘vítima’ cumpra
um objetivo – entregar informações sigilosas ou
facilitar o acesso a uma rede ou computador.

– Os maiores engenheiros sociais são as
crianças – brinca um Mitnick descontraído, em entrevista
ao JB, em Salvador.

Os executivos não acreditam nos alertas
do hacker. Terminada a palestra, uma dupla de funcionários
de uma empresa de segurança comentava:

– Hacker brasileiro não vai perder tempo
telefonando para as empresas. Isso é coisa de americano
– disse um deles, cumprindo uma das profecias feitas na palestra:
ninguém leva a sério a ameaça da engenharia
social.

Durante a maior parte dos seus 38 anos, Kevin Mitnick
esteve do outro lado da moeda. Sua história de vida é
controversa e divide-se entre a versão pessoal de Mitnick
e a publicada no livro Takedown, do jornalista John Markoff, do
The New York Times, e do hacker Tsutomu Shimomura. A obra narra
o histórico da atividade criminosa de Kevin Mitnick e sua
captura, em 1995, contada pelos maiores responsáveis. O
início da sua carreira, no entanto, é comum aos
dois lados.

Aos 12 anos, Mitnick experimentou o sabor do hackerismo.
Ele percebeu que os bilhetes dos ônibus públicos
do Vale de São Fernando, na Califórnia, eram furados
pelos motoristas para marcar o itinerário do passageiro.
O jovem aprendeu o significado das marcações e logo
viajava de graça.

No ginásio, Kevin tomou contato com o ‘phreaking’
– o controle de redes telefônicas e que é considerado
parte da pré-história do hackerismo de computadores.
Aos 17, foi internado numa instituição para menores,
pelo roubo de manuais técnicos de uma operadora de telefonia.
Nesta época ele já usava os primeiros micros pessoais
como veículo para a invasão das redes telefônicas,
controladas por computadores. Seu advogado conseguiu soltá-lo,
provando que ele não era um criminoso, mas um ‘viciado
em computadores’. O tratamento numa clínica para adictos
não funcionou e Kevin voltou a hackear, chamando a atenção
do FBI.

Mitnick decidiu sumir e assumiu uma identidade
falsa, Eric Weiss, o nome verdadeiro do mágico Houdini.

– Nunca ganhei dinheiro com invasões. Não
roubei cartões de crédito nem vendi o código-fonte
de programas que consegui. Fiz tudo pelo conhecimento, pela aprendizagem.

As empresas que tiveram seus programas acessados
ilegalmente por Mitnick calcularam uma perda de US$ 300 milhões,
mas o hacker afirma que esse valor é questionável,
já que ele diz nunca ter passado adiante as informações
que conseguiu.

Como o programador Weiss ou Brian Merrill, um funcionário
de hospital, Kevin se manteve escondido, trabalhando em empregos
‘normais’ e hackeando nas horas livres.

Em 4 de julho de 1994, no entanto, tudo mudou.
O New York Times publicou uma matéria de John Markoff na
primeira página com o título O mais procurado do
ciberespaço: hacker engana FBI. Nascia o mito que, segundo
o jornalista, invadira a rede do Norad, o sigiloso Centro de Defesa
do Espaço Aéreo Americano e grampeado o FBI.

– Admito que errei, invadindo redes e roubando
código-fonte de softwares proprietários. Mas Markoff
escreveu coisas que não fiz – afirma.

Em dezembro de 1994, Kevin Mitnick cometeu talvez
o seu único deslize: invadiu e roubou softwares da rede
de um outro hacker, Tsutomu Shimomura, especialista em segurança
que trabalhava para o governo americano. Ele avisou o FBI e se
ofereceu para caçar Mitnick, junto com Markoff.

Três meses depois Kevin foi capturado em
Raleigh, Califórnia, depois de um combate eletrônico
em que Shimomura conseguiu detectar o rastro – do então
Glen Case – nas alterações das redes telefônicas
que usava.

O hacker ficou preso por cinco anos, quatro e meio
deles sem julgamento. Mitnick foi impedido pela Justiça
de se conectar à internet por oito anos – proibição
que terminou em 21 de janeiro deste ano. Ele também ficou
sem poder usar telefones – um dos juízes que passou pelo
seu caso afirmou que com assovios no fone ele conseguiria disparar
um míssil nuclear.