O avanço acelerado da inteligência artificial tem promovido inovações significativas em diversos setores, mas também trouxe consigo desafios complexos, especialmente no campo jurídico. Dentre as diversas aplicações controversa das chamadas deepfakes , estão, por exemplo, o uso para finalidade de propagar conteúdo íntimo falsificado ou para manipular a percepção pública.
Nesses e em outros casos de uso indevido desta tecnologia os impactos sobre a privacidade, honra e dignidade das vítimas podem ser devastadores. Diante desse cenário, legisladores em diversos países vêm reagindo com propostas específicas de criminalização.
Este artigo examina a tendência de responsabilização penal para usos lesivos de deepfakes, com foco nas recentes alterações legislativas ocorridas no Brasil e nos Estados Unidos.
O que são deepfakes e quando seu uso é juridicamente aceitável?
Deepfake é a designação atribuída a materiais digitais — vídeos, imagens ou áudios — manipulados com o auxílio de algoritmos de inteligência artificial, capazes de simular com impressionante fidelidade rostos humanos, vozes e comportamentos. A tecnologia permite, por exemplo, fazer com que uma pessoa aparente dizer ou fazer algo que nunca ocorreu de fato, com aparência extremamente verossímil.
Apesar de sua notoriedade estar frequentemente ligada a usos indevidos, como chantagens, pornografia não consentida ou campanhas de desinformação, a tecnologia também pode ser empregada de forma lícita e benéfica.
Entre as aplicações legítimas estão produções artísticas e cinematográficas; treinamentos; reconstituições históricas; ferramentas de acessibilidade além de campanhas publicitárias.
Para que o uso de uma deepfake seja considerado compatível com o ordenamento jurídico, é necessário que a utilização respeite os direitos fundamentais à imagem, à honra e à privacidade, bem como as normas de proteção de dados pessoais. Em certos contextos, o consentimento expresso da pessoa representada será obrigatório; em outros, como na paródia ou sátira, o uso poderá ser legítimo mesmo sem autorização, desde que respeitados os limites legais e os princípios da boa-fé. Em suma, a licitude do uso da tecnologia dependerá sempre da análise contextual, levando-se em consideração o propósito, o meio de difusão e os efeitos do material gerado.
Brasil: Repercussões da nova redação do artigo 147-B do Código Penal
O legislador brasileiro reconheceu o impacto da tecnologia deepfake na dinâmica de violência de gênero, especialmente nos casos em que mulheres são alvo de violência psicológica por meio da disseminação de conteúdo falso envolvendo suas imagens ou vozes.
Em 2025, foi aprovada a Lei nº 15.123, que alterou o artigo 147-B do Código Penal, dispositivo que trata da violência psicológica contra a mulher. A inovação legislativa introduziu uma causa de aumento de pena quando o crime for cometido mediante o uso de inteligência artificial, ou de outros recursos tecnológicos que resultem na adulteração da imagem ou da voz da vítima. O acréscimo na pena reforça a gravidade da prática e busca coibir, de forma mais contundente, condutas que atentem contra a integridade emocional e a imagem da mulher a partir do mau uso de determinados recursos tecnológicos.
Estados Unidos: A criação do Take It Down Act
Nos Estados Unidos, o debate legislativo também avançou diante do crescimento de casos envolvendo deepfakes de caráter íntimo e não consentido. Em abril de 2025, o Congresso americano aprovou o Take It Down Act — um marco legislativo bipartidário voltado para a responsabilização penal da divulgação de imagens íntimas adulteradas ou produzidas por IA.
A legislação estabelece obrigações específicas para as plataformas digitais, que devem remover o conteúdo denunciado em até 48 horas.
Àquele que realizou a produção ou alteração da imagem, são previstas penas de até dois anos de prisão, pena que se estende a três anos se a imagem manipulada envolver menores de idade.
O texto legal também recebeu apoio de figuras públicas e defensores dos direitos digitais, sendo visto como uma resposta institucional à vulnerabilidade enfrentada, sobretudo, por mulheres e adolescentes nesse contexto.
Considerações finais
O surgimento de tecnologias capazes de simular a realidade com tamanha precisão impõe ao Direito o desafio de acompanhar, de forma célere e eficaz, os impactos sociais e individuais decorrentes dessas inovações. Tanto a legislação brasileira quanto a norte-americana demonstra uma tendência de fortalecimento das ferramentas penais para conter os danos provocados por deepfakes abusivos.
No entanto, é fundamental que essas normas sejam acompanhadas de diretrizes claras que evitem excessos punitivos e garantam a compatibilidade com os direitos constitucionais à liberdade de expressão e à informação. Mais do que criminalizar, é preciso desenvolver uma cultura de uso responsável da tecnologia, que combine prevenção, educação digital e responsabilização proporcional.
O enfrentamento aos riscos das deepfakes exige, portanto, não apenas instrumentos legais robustos, mas também o engajamento coordenado de governos, plataformas tecnológicas, operadores do Direito e da sociedade civil.