Desenvolvimento

26 mai, 2015

De volta para o passado (ou vamos deixar a Web divertida de novo?)

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Já pensou se sua internet fosse uma grande intranet do Brasil? Pesadelo inimaginável, não? Pois esse é o cenário que se avizinha no Irã, onde o primeiro Ministro, Reza Taqipour, conta que a decisão do Governo, na intenção de “proteger as informações estratégicas do País”, é no sentido de cada vez restringir mais o acesso à www, além de manter todos os governantes e políticos offline.

Não é só no Oriente Médio que essa situação surreal está sendo considerada. Na Coreia do Norte, os cidadãos só podem acessar o conteúdo da Kwangmyong, a intranet do País. O bloqueio de serviços americanos geralmente serve como desculpa para que esse tipo de governo queira fechar cada vez mais o acesso dos cidadãos à Web como um todo, alegando que o imperialismo, a espionagem e divergências religiosas devem ser barradas. Segundo o Web Index 2013, 30% das nações do mundo moderam ou bloqueiam conteúdo da Web. Isso significa muito para quem usa a Web como ferramenta para comunicação, comércio, aprendizado (entre outras mil e uma atividades), porque além de sugerir que a ameaça cresceu, já que o valor é maior do que o do último Web Index, indica que seus conteúdos podem ser filtrados para nada mais nada menos que 2,1 bilhões de pessoas.

Por outro lado, diante do controle que grandes empresas têm sobre serviços que todo mundo usa, não é difícil concluir que a Web está em poucas mãos, com redes sociais e serviços cada vez mais cercados e controlados por empresas como Facebook, Google, GitHub… entre outras gigantes. Isso quer dizer menos geração de riqueza (tente competir com o Google pra ver no que dá) e menos oportunidades de escolha, tanto para pessoas comuns quanto para desenvolvedores, que ficam cada vez mais atados às escolhas tecnológicas dos grandes players.

É por causa disso que o próprio criador da Web, Tim Berners Lee, chamou a comunidade de geeks e similares num “call to arms” em uma entrevista que deu para a Wired em novembro de 2013 no sentido de descentralizar a Web, apostando cada vez mais em protocolos descentralizados e tecnologias que coloquem o poder da Web de volta às mãos dos desenvolvedores. E não foi só ele. O próprio David Weinberger, criador do Manifesto Cluetrain, famoso por colocar pingos nos is nas regras de mercado através da internet em 1999, publicou as novas pistas – traduzidas por mim e Paulo Rená no Medium, chamando os operadores do mercado na Web a descentralizar e utilizar serviços descentralizados para devolver a Web às mãos da galere.

Desde então, alguns projetos que já vinham rodando há tempos tiveram impulso, outros novos surgiram e vale a pena conferir, contribuir e navegar nas comunidades de vários deles. Aí vai uma lista que mistura listas de revistas especializadas, como a Forbes e a Harvard Business Review, com referências do próprio W3C de suas comunidades com os projetos listados pelo pessoal do Redecentralize.org.

Vou começar pelo BitCoin, que virou mainstream esse ano, impulsionado pelos movimentos de famosas instituições de pesquisa, como o MIT, e também pelas notícias do crescimento da sua rede de apoiadores e usuários. O BitCoin é uma plataforma Web descentralizada que modifica a maneira como as pessoas transferem bens e fazem pagamentos usando ferramentas digitais. A parte mais interessante do projeto é a sua capacidade de cisalhar o dinheiro, possibilitando que qualquer um transfira qualquer quantia para outra entidade, instantaneamente e de modo anônimo, através da rede. O BitCoin se apoia na tecnologia do BlockChain, que é isso mesmo que o nome sugere: uma cadeia de blocos que vão sendo adicionados cada vez que um “nó” novo se conecta à rede do Bitcoin, garantindo que todas as entidades entram no jogo assim que começam a jogar porque os “nós” são automaticamente validados pelo blockchain, conferindo autenticidade às transações e entidades que possuem valores. Esse modelo garante que a informação é criptografada e, portanto, se mantém segura, sendo mais difícil de ser corrompida ou acessada por criminosos ou governos.

Outra plataforma legal para se prestar atenção é o Synereo, que é uma plataforma para Social Media na qual o usuário é dono de seus dados, transações, likes, shares… entre outros “ativos” das redes sociais. Parece incompreensível, mas engloba ideias de micropagamento e da “self-Web”, citados no livro “Who owns the Future”, lançado por um dos criadores da realidade aumentada, Jaron Lanier, em 2013. No livro, ele que diz que as pessoas deveriam receber parte do lucro que as grandes redes sociais têm com os dados e atividades dos usuários. Certo ele, não? Seria legal levar parte dos lucros do Facebook… Outra coisa legal a se notar é que os princípios de anonimato e autonomia estão preservados. A plataforma tem até um tipo de dinheiro virtual próprio, semelhante aos impulsionados pelo BitCoin, para pagar os usuários pelas suas atividades, no que fica denominado de “economia da atenção”.

Mais sobre redes próprias conectadas, existe a Red Matrix, que tem cara de experimento mas tem agregado “nós” em todas as partes do mundo, oferece software para descentralizar as comunicações e contatos, bem como um jeito de autenticar um usuário de modo distribuído em várias instâncias da rede. Apesar do design estar precisando de um trato, a promessa é de navegação entre uma rede muito mais segura e com ainda mais conexões e possibilidades do que redes centralizadas como o Facebook.

Há também pioneiros lançando serviços baseados em hardware, como o Akros, que é um software criado pelo desenvolvedor Jacok Cook, feito para ser utilizado com o RaspberryPi com a proposta de criar uma nuvem própria para o usuário de modo seguro e com privacidade garantida. É uma mistura de Dropbox com Evernote e mais o que o usuário decidir, de modo que qualquer um pode acessar seus dados, recursos, objetos etc. de qualquer lugar do mundo, de forma segura, livre da interferência de governos ou empresas. Esse serviço, em particular, tem atraído a atenção de muitos investidores desde a sua criação (foi financiado primeiro via crowdfunding) por causa do seu potencial na geração de novos negócios.

Outros modelos de descentralização estão evoluindo e se tornando mais interessantes comercialmente, como redes peer-to-peer (aquela do Napster, lembra?) entre outras. Um exemplo que eu não poderia deixar de citar é o PorCorn Time, serviço de distribuição de streaming de vídeos (torrents) que também pode ser utilizado como plataforma própria para streaming, desde que você tenha arquivos em casa para distribuição via popcorn peer-to-peer. Não é legal?

O Telehash também vale citar, já que é um protocolo para criação de redes mesh que visa a dar autonomia para que as pessoas possam ser “nós” nesse tipo de rede, aumentando a possibilidade de uso da Internet e também a segurança e privacidade de cada reverberador. Só lembrando que esse tipo de rede depende de “nós” em rede redistribuindo o recurso, que pode ser um sinal de internet ou um streaming de vídeo. A graça está na multiplicação da possibilidade de serviços e interações entre usuários que esse tipo de protocolo proporciona.

Enfim, a saudosa internet do começo da Web, onde quase todo mundo experimentava e fazia da Web uma expressão da sua criatividade e curiosidade, está de volta, em um movimento silencioso liderado por pioneiros que conseguem ver além do que temos hoje. É claro: a Web de hoje ainda é a maior e melhor plataforma para comunicação, comércio e vida social que temos para aproveitar a Internet. Mas o movimento de descentralização é necessário nesse momento em que se discute o controle das identidades, dados e atividades das pessoas que se conectam de seus dispositivos em busca de explorar o potencial dessa rede de links.

É preciso pensar além e decidir sobre a Web que queremos!