Carreira Dev

13 fev, 2008

Risco da adoção unilateral

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Comprador, indutor, fomentador, embaixador, regulador ou competidor? Qual é o mais importante papel do Governo em relação à tecnologia da informação?

Essa resposta não é fácil, até porque, via de regra, os Governos raramente assumem – ou devem assumir – um único chapéu nos diversos segmentos de mercado, inclusive TICs. Mas, se por um lado, esta realidade é quase imprescindível e, em muitos casos, desejável, por outro, é extremamente conflitante e preocupante. Senão vejamos:

Como comprador, o Governo, nas três esferas, abarcando todo seu aparato público-estatal (máquina e empresas), é hoje responsável por mais de 20% de todas as compras de TI no país, envolvendo hardware, software e serviços.

Em 2005, nosso mercado alcançou perto de 20,6 bilhões de dólares, com o Governo respondendo por 22% deste total. Em 2006, ano de reeleição e de torneiras abertas, sendo TI setor-estrela no radar do Governo, a estimativa é de 23,3 bilhões de dólares (valores em apuração pela E-Consulting), com o Governo atingindo perto de 25% de todo esse montante. Isso significa que um quarto de todas as compras e investimentos em TI no país deverá ser feito pelo poder público e este fato, por si só, já é digno de sinal amarelo.

Com essa capacidade de compras e investimentos, o Governo acaba operando como agente norteador do caminho tecnológico que o mercado e seus players devem adotar, tanto em termos de tecnologias e padrões, como em termos de metodologias e modelos.

Em outras palavras, se o Governo preferir software livre e ameaçar colocar como regra-padrão em seus editais somente a contratação de empresas que trabalhem com essa plataforma, estará direcionando o mercado a produzir mais códigos, mais produtos e serviços neste padrão.

O cenário é, no mínimo, perigoso, pois um Governo assim relevante pode se mal entender e utilizar seu poder de compra e indução, centralizar o mercado em algumas poucas tecnologias e alguns poucos fornecedores, risco este que vivenciamos nos últimos três anos com a posição irascível da Casa Civil em defesa cega do software livre.

PC popular e demais ações de Inclusão Digital, Telefonia Móvel e TV Digital são outros temas bastante abordados pelo atual Governo, que merecem acompanhamento ferrenho dos demais stakeholders interessados nesses assuntos. Pouca liberdade com pouca diversidade são convites à não-inovação.

Porém, cabe obrigatoriamente ao Governo o importante chapéu de fomentador, papel este que deve ser utilizado de maneira responsável.

O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, a escolher TI como um dos quatro pilares de sua atuação e fixar uma meta de exportação de 2 bilhões de dólares (contra os 100 milhões de dólares reportados em 2004), em dois anos, vem agindo assim. Mas como entender a política do MDIC, buscando criar caminhos de desenvolvimento da indústria nacional, inclusive a sua competitividade como exportadora, frente à política da Casa Civil que, na verdade, tem ajudado a sufocar a indústria nacional com sua cruzada religiosa pelo software livre?

Estratégia é isso. Ë ser capaz de fazer escolhas certas, investimentos certos, modelos certos. A coexistência de objetivos importantes e quase excludentes faz parte do jogo. Aliar fomento à indústria nacional, compras responsáveis, defesa de capital intelectual nacional em TI e inclusão digital não são tarefas fáceis ou mesmo que apontem para o mesmo vetor. Mas são igualmente imprescindíveis. Nosso país, infelizmente, não tem uma estratégia clara para TI, até o momento, que assista, de maneira integrada e construtiva, temas tão díspares e relevantes.

Todos sabemos que TIC é setor estratégico para qualquer país. Tão importante, que, como contraponto à nossa realidade, um país como os Estados Unidos valoriza tanto TI, que instituiu, na década passada, um conselho de pensadores e empresários de TI ligados diretamente ao presidente da república.

Defesa nacional, redução de pobreza, desenvolvimento de infra-estrutura para mercados e indústrias, aumento de produtividade, convergência, entretenimento, evolução social, comportamental e de consumo, inovações, definição de padronizações e parametrizações, bem como exportação de capital intelectual, são algumas das boas razões que justificam este conselho tecnológico nos EUA.

Os projetos de e-gov, capitaneados pelo Ministério do Planejamento, já iniciados no Governo FHC, colocam o Brasil em posição altamente favorável, inclusive com vistas à exportação de processos e tecnologia para governos, no cenário internacional, operando como grande cartão de visitas de nosso país em TIC, juntamente com nossa reconhecida competência no setor financeiro.

Ademais, cabe ao Ministério da Ciência e Tecnologia, apoiador deste estudo, o papel de insumo à inovação e à criação de novas empresas, inclusive nos modelos de parques tecnológicos, APLs, PSIs e incubadoras.

Ao criar políticas de exportação de TI, o Governo brasileiro acaba se tornando embaixador de nossas empresas no exterior. Esse papel, de Diretor Comercial do País, é fundamental na competição internacional, porque quando se trata de exportação de TI, a competição se dá, primeiramente, entre países e Governos (condições, acordos, facilidades, regulamentações, maturidade das instituições, status do mercado, etc) e, depois, entre empresas.

Por outro lado, recai sobre o Governo a alcunha de regulador, seja por conta de seu enorme poderio financeiro, seja porque compete a ele construir o aparato legal e regulatório dos setores da economia.

Novamente citando o caso do software livre, ao tentar paulatinamente impor este modelo como padrão preferencial para as compras governamentais em todas as esferas (ministérios, autarquias, estatais, etc), inclusive patrocinando este processo também junto a estados e municípios, promovendo a chamada e desejada integração operacional-tecnológica da máquina administrativa do país, o Governo criou um mecanismo de concorrência desleal.

Para acabar com o refenato tecnológico vigente com empresas internacionais como Microsoft, IBM e Unisys – efeito desejável, dado que não podemos estar nas mãos de empresas estrangeiras para assuntos importantes -, o Governo quase criou outra armadilha para si mesmo.

Certamente, salvaguardadas as condições de funcionalidades e qualidade dos aplicativos e serviços, a adoção do padrão livre e aberto (não necessariamente gratuito) tende a reduzir custos operacionais e despesas com licenças de software (em que se pese que se mantenham os custos de serviços e manutenção), reduzindo assim o custo de TIC do Estado.

Além disso, parece ser razoável a justificativa do Governo brasileiro que deve deter em suas mãos a propriedade tecnológica e a inteligência dos softwares e sistemas que utiliza, deixando de ser refém das grandes empresas internacionais. É a chamada soberania tecnológica.

Por outro lado, vale ressaltar que este tipo de medida, patrocinada no atual Governo Lula pela Casa Civil e defendida abertamente pelo ITI (inclusive nos foros internacionais como a Cúpula Mundial da Sociedade da Informação, organizada pela ONU), tende a desaquecer a indústria nacional de construção de softwares proprietários (que operaram na base da licença + serviços, refletindo ganhos de escala com propriedade intelectual), que deixa de ter no Estado um cliente tão significativo.

Vale apontar que esta medida, de certa forma, duela em sinal contrário às intenções do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, que colocou TIC como uma das quatro indústrias pilares no processo de desenvolvimento do país para os próximos anos, portanto objeto de criação de políticas públicas para investimentos e planos de parceria e cooperação com o universo privado.

Tanto isto é verdade, que projetos como a Brasscom, organização que associa grandes empresas de TIC brasileiras como CPM, Stefanini, Itautec, DBM e Microsiga com vistas à exportação, têm apoio firme em investimentos do MDIC, além dos já reconhecidos projetos de apoio que o MDIC tem dado a empresas multinacionais para que estas construam seus parques de serviços de software no Brasil, como foi o caso da EDS e da IBM, também com vistas à exportação.

Na verdade, a meta de exportação de TI, apregoada pelo MDIC certamente precisará das divisas trazidas por essas multinacionais, o que, por um lado tende a desacelerar a formação de empresas nacionais exportadoras, mas por outro tende a criar pólos integrados de serviços, já que as micro e pequenas empresas brasileiras deverão se organizar em torno das multinacionais.

Pelo menos no curto prazo e enquanto o modelo de software livre não apresentar consistência em resultados de negócio, ele depõe contra o aquecimento do mercado nacional de empresas de TIC, contra a formação de empresas competitivas nacionais, principalmente de produtos e, portanto, contra o interesse de exportação de tecnologia nacional e não, necessariamente, de serviços de tecnologia produzidos em solo brasileiro.

A oportunidade de se criar modelos de empresas competitivas, a partir de serviços e produtos pautados em software livre, com modelos comerciais viáveis pode ser única para o país… Mas o risco é grande.