Sérgio Mugnani é um dos palestrantes do InterCon 2009. Em sua palestra, ele vai discutir o assunto de sua dissertação de mestrado pela Berlin School of Creative Leadership. Os Luddities seriam aqueles que de alguma forma se opõem ao uso das novas tecnologias, no caso, falando especialmente dos profissionais de comunicação. Mas será que é apenas em comunicação que Luddities existem? De que forma é possível inovar ainda mais na web, uma área já tão naturalmente inovadora? Novas mídias, inovação, empreendedorismo são temas do InterCon 2009, que acontece no dia 7 de novembro em São Paulo. Faça já sua inscrição.
O trabalho de comunicação sempre esteve intrinsicamente ligado à tecnologia. Desde os primórdios do rádio, passando pela televisão,
vídeo games, celulares, computadores e, atualmente, pelas tão faladas redes
sociais. Nos últimos anos muitas agências, clientes e profissionais da
indústria da comunicação têm se voltado e testado muito as plataformas
digitais. No entanto, o que acontece com alguns profissionais que não
utilizam as novas tecnologias, dentro da comunicação, evitando inovar e
buscar novos formatos para a indústria? O que é possível aprender com
um profissional que pensa totalmente oposto às novas tecnologias? Será
que existe um lado bom ou ruim em ser um Luddite? Antes de mais nada,
os Luddites apareceram pela primeira vez durante a Revolução Industrial
em 1881 e detestaram a idéia de ter o seu trabalho substituído por
máquinas.
Todas
as pessoas possuem um lado “Luddite”, se é que podemos chamar desta forma.
O próprio ser humano é, por natureza, contra mudanças, como afirma o
escritor Jan Harrington em seu livro Technology and Society[i].
Durante toda a evolução, o homem luta contra este “mal necessário”, que causa muitas mudanças em seu cotidiano, obrigando-o a se adaptar
às mudanças impostas. Mesmo estando acostumado a trabalhar com padrões
e regras estabelecidas no dia-a-dia – chamados de paradigmas – muitos
questionam a necessidade da mudança dos paradigmas estabelecidos.
Ainda
mais quando é necessário questionar a indústria da comunicação, tão
consolidada nos últimos 50 anos. Atualmente, as estratégias de
comunicação estão ambientadas em meios consolidados, nos jornais,
revistas, no rádio e, principalmente, na televisão. É um modelo muito
eficaz. Porém, devido à democratização da tecnologia, novos meios e
plataformas estão sendo criados. É necessário repensar o modelo de
comunicação para os próximos anos. Para um criativo, talvez este seja o
melhor período para se trabalhar.
Porém,
muitos dos Luddites são confundidos como os mais experientes e idosos.
A resistência não está intimamente ligada à idade. Existem
profissionais fantásticos que trabalham em comunicação que beiram os 60
anos e estão tão “plugados” quanto adolescentes. Está muito mais ligado
a uma atitude, que reflete uma postura na busca por inovação e
desafios. Está ligada ao questionamento de como seria possível criar
novos modelos e fazer com que o modelo de comunicação evolua, trazendo
novas plataformas e formatos. A busca por territórios ainda não
explorados no campo das inovações permite que as pessoas se tornem
menos resistentes, mais abertas a soluções criativas.
Agora,
o que acontece com aquelas pessoas que não acreditam em tecnologia
dentro da Comunicação? Desde 2008, através da pesquisa Luddites@communicationindustry[ii],
feita na Berlin School of Creative Leadership, na Alemanha, foram
identificadas diversas razões porque alguns profissionais da Indústria
da Comunicação se comportam desta maneira. Esta pesquisa ganhou um
caráter mundial ao entrevistar 720 pessoas em 35 diferentes países,
cruzando os dados ao final da pesquisa com outro trabalho chamado AHEAD – Inside the world’s most creative[iii], feito pelo amigo e designer Arne Stach, da Universidade de Duesseldorf, em 2007.
Desta
forma, é fácil de entender o que se passa com os profissionais mais
novos. Eles ainda não adaptaram as suas vidas em torno de algum modelo
pré-estabelecido de negócio ou trabalho. Porém, uma característica
verificada durante a pesquisa, cerca de 73% dos usuários acreditam que
a idéia vem sempre em primeiro lugar e depois, acompanhada da melhor
solução tecnológica. Muitos dos novos profissionais pecam pelo excesso
de tecnologia e se esquecem de contar histórias. E a tarefa de contar
histórias, o storytelling, é primordial para uma boa comunicação.
Agora,
qual seria o perfil dos profissionais mais resistentes às novas
tecnologias? São os profissionais que não conseguem enxergar novas
possibilidades. Ou melhor, não querem. O argumento destes profissionais
é muito parecido com o argumento dos artesãos que, em 1811, foram contra
as primeiras máquinas durante a Revolução Industrial na Inglaterra.
Eles acreditavam que aquelas máquinas iriam não só roubar o emprego de
cada um deles, mas acabar com toda a estabilidade sócio-econômica que
esses empregados detinham na época. Talvez pegos de surpresa, os
Luddites não conseguiram assimilar o fato de que estas máquinas
poderiam adicionar novas oportunidades de negócios. Ou seja, eles não
imaginaram que eles poderiam produzir outros produtos além daqueles que
os artesãos já faziam. É possível compreender essa reação naquela
época, quando não havia a democratização e a velocidade da informação.
Eles não tinham como saber qual a importância que este negócio teria
para a Inglaterra e para o mundo.
Atualmente
estes Luddites são conhecidos como Neo-Luddites. Existem, sim, algumas
diferenças, mas as semelhanças com o movimento romântico iniciado no
século XIX são muitas. Hoje eles estão presentes na Internet com o
intuito de desacelerar os ritmos da informatização da sociedade
alertando contra os malefícios da cibercultura. Um dos expoentes é o
pensador Kirckpatrick Sale. Considerado, nos dias atuais, um dos grandes
nomes do neo-Ludittismo e autor de alguns livros sobre o tema como Rebels against the future. Definiu os Luddites como “The
Luddites also established themselves as the symbol of those who resist
the new technologies and demand a voice in how they are to be used” (os Luddities se estabeleceram como um símbolo dos que resistem às novas tecnologias e demandam uma voz em como elas serão usadas. t.e.).
Em
seu livro, o autor expõe em seu manifesto nove das lições contra as
novas tecnologias e quatro podem ser questionadas dentro da indústria da
comunicação. Ele enfatiza algumas questões polêmicas como a que diz que
a tecnologia não é neutra, exemplificando que toda a ferramenta
proporciona uma maneira particular e tendenciosa de ver o mundo.
Na
segunda lição, o autor enfatiza que a Internet é revolucionária, mas
não utópica, e que a rede é uma ferramenta maravilhosa de comunicação,
porém, fora de qualquer controle.
Na quarta lição, possivelmente a mais polêmica, o autor enfatiza que “Informação não é conhecimento.” Ele comenta: “Ao
redor de nós, a informação está se movendo mais rapidamente e está
ficando mais barato adquiri-la, e os benefícios são manifestos. () Nós
não devemos confundir a excitação em adquirir ou distribuir rapidamente
a informação com a tarefa mais assustadora de converter isto em
conhecimento e sabedoria.”
E, em mais um exemplo, a sexta lição sugere que a informação quer ser protegida, ou seja, indo contra toda a tendência de “sharing your ideas”. Talvez ele ainda não conheça o TED[iv].
Muitos
dos argumentos utilizados e reivindicados pelos Luddites foram
considerados argumentos romantizados, ou seja, eles não queriam
modificar o passado e tudo aquilo que eles haviam construído até então.
Porém, com a chegada das máquinas, esta realidade foi questionada e em
muitos casos a reação foi violenta, ocasionando um período
revolucionário. Atualmente, é possível fazer um paralelo muito próximo
na Indústria da Comunicação, após 1990, quando o mundo foi apresentado à
World Wide Web. A informação passou a ser difundida em uma velocidade
exponencial nunca antes vista e rapidamente modelos e padrões de
comunicação foram modificados e muitos ficaram ultrapassados.
A
não aceitação das novas tecnologias está intimamente ligada a dois
fatores. Por exemplo, quando uma companhia vê a necessidade de mudar um
modelo de negócio, que está prosperando bem até o momento, para um novo
modelo, ela não deseja ter prejuízo. Pelo contrário, almeja sempre
maior produtividade, inovação, lucro. Porém, o novo sempre se depara
com um risco. Toda inovação implica em um risco. Atrelado a este
fato, a rejeição inconsciente está sempre presente no ser humano. Sempre que a palavra mudança
é necessária por algum motivo, a palavra medo, em muitos casos está
presente, pois não importa o otimismo a respeito do resultado final
porque o resultado ainda é desconhecido. As mudanças tecnológicas não
são diferentes de qualquer outro tipo de mudança: algumas pessoas e
grupos irão resistir e outras irão inovar.
O
cenário atual está bem diferente do cenário encarado pelas agências
tradicionais há 50 anos. Após o aparecimento da World Wide Web em
1990, o mundo foi impulsionado por uma enorme demanda tecnológica.
Principalmente através da rede, muitas pessoas e empresas puderam
trocar experiências, criando novos formatos de comunicação e
modificando a maneira com que as pessoas encaram ser persuadidas pelas
ações das marcas. No modelo tradicional, as marcas simplesmente
passavam mensagens e informavam o seu público. Era unidirecional, não
havendo a possibilidade de interação. Porém, através dos veículos
digitais, cada vez mais essa via unidirecional passa a ser
multidirecional, isto é, as pessoas impactadas pelas ações de
publicidade de um cliente passam a responder, sugerir e interferir nos
produtos e serviços e, em muitos casos, até em tempo real. Assim como
na época dos Luddites, não seria necessário parar de fazer comunicação
e migrar para um formato totalmente novo e desconhecido. A propaganda
continua fundamental, mas por que não testar outros formatos?
Fica
muito claro que a tecnologia quebrou muitos paradigmas da comunicação,
fazendo com que as agências tenham que rever a maneira de atuação. A
tecnologia trouxe à tona outros meios que em muitos casos são
comandados ou criados pelos próprios usuários. Redes sociais como o
Facebook e Twitter estão longe de se tornar veículos de publicidade,
pois nelas não existe modelos de negócio que gerem resultados
garantidos para os clientes. Porém, num futuro próximo, talvez sejam um
caminho formidável de posicionar marcas e empresas.
Agora,
como é possível transformar uma agência tradicional de publicidade com
um comportamento Luddite em uma empresa de comunicação relevante aos
seus clientes, com a intenção de criar novas formas de comunicação para
atingir as pessoas no mundo de hoje? Como estimular essas empresas a
olharem o novo cenário de uma forma mais macro, mais ampla?
Provavelmente esta é a maior questão a ser respondida pela pesquisa,
comparando os Luddites e a indústria da propaganda.
Mais
do que novas máquinas, existem novas formas de distribuição dos
produtos, mensagens e serviços. Ao comparar este cenário com a época da
Revolução Industrial, atualmente não existe só uma Inglaterra, que na
época desejava liderar o comércio mundial. Devido às tecnologias
existem, sim, muitos pólos de crescimento onipresentes no cyberespaço,
criando um desafio ainda maior para as grandes agências, para os anunciantes e
os profissionais.
Estas,
se comparadas com os desafios do passado, estão em um nível infinitamente maior, pois a concorrência atua de forma onipresente
principalmente nas plataformas digitais. Blogs, redes sociais e
projetos liderados pelos próprios consumidores das marcas colocam em
questão o verdadeiro significado da palavra comunicação.
Outro
valor que mais do que nunca precisa ser trabalho dentro de todas estas
mudanças na indústria da comunicação é o choque de gerações.
Choque ou combinação de gerações? Qual seria a saída? Don Tapscott, autor do livro “Growing Up Digital – How the Next Generation is changing the world”[v]
resume muito bem este encontro das duas gerações em seu livro. Ele
defende que a única saída para a evolução do pensamento é aproximar as
duas gerações. Neste caso, os profissionais mais velhos, muitos deles Baby Boomers com a geração net. Como pode ser observado em uma passagem do seu livro:
“The
Net generation can’t deliver on their own. They need older employees to
work with them….the effects of a ‘generation firewall’ that separates
the powers (older people) from the new employees (Net Geners)”
Ele
defende que a geração mais nova detém o conhecimento das ferramentas de
colaboração como Wikis, redes sociais que permitem com que as pessoas
criem, espalhem e editem documentos através da rede. Porém, esta mesma
geração Net, chamada como Net Gen necessita de conteúdo, histórias. E é
neste ponto que toda a experiência dos profissionais é fundamental. São
eles os melhores “story-tellers”, ou contadores de histórias. São eles
que detêm o conteúdo tão rico e personalizado que um Net Gen desejaria
em primeira mão para divulgá-lo através das ferramentas tecnológicas
atuais. Na pesquisa dos Luddites@communicationindustry, 57% dos usuários acreditam que a melhor solução é misturar baby boomers com pessoas da generation next no mesmo time. Novamente, o autor completa: “Breaking down the firewall can separate the winners from the losers.”
Como um líder na indústria da comunicação consegue transformar pessoas resistentes em adopters?
A resposta desta pergunta está relacionada com um capítulo principal da
tese “Luddites@communicationIndustry” onde apresento a Hype Curve, do
Instituto Gartner[vi], criada em 2007.
A
Hype Circle é uma representação gráfica apresentando a curva de adoção
e a aplicação comercial de algumas tecnologias específicas. O termo foi
criado pelo Instituto Gartner e fornece opiniões e informações
revelando as principais tendências e utilizações das novas tecnologias. Desde
1995 o Instituto Gartner usa a Hype Cycle para caracterizar o excesso
de entusiasmo ou “hype” e o desapontamento de algumas tecnologias com o
passar dos anos. O ciclo da adoção de alguma tecnologia tem basicamente cinco fases:
- Technology
Trigger: A primeira fase da Hype Circle é a descoberta de novas
tecnologias ou um lançamento de produto ou outro evento que gera
significativa inovação. Os geeks são os principais profissionais que
absorvem esta fase. - Peak
of Inflated Expectations (Pico de expectativas exageradas): Na próxima
fase, um frenesi de publicidade tipicamente gera excesso de entusiasmo
e expectativas irreais. Pode haver algumas aplicações de sucesso de uma
tecnologia, mas há mais falhas do que acertos. Um bom exemplo seria
toda a tecnologia de cloud computing que vem sendo discutida durante os últimos anos. - Trough
of Disillusionment (Vale da Desilusão): Algumas tecnologias entram em
uma calha “de desilusão” porque elas não conseguem satisfazer as
expectativas e tornam-se rapidamente fora de moda. Neste caso, as redes
sociais como o Twitter e Facebook são bons exemplos, pois estão
encontrando uma certa dificuldade em encontrar um modelo de negócio. - Slope
of Enlightenment: Algumas tecnologias e empresas, mesmo com a
desilusão de não ter alcançado uma boa aceitação, continuam o
desenvolvimento e, neste período, elas conseguem rever e repensar
algumas práticas, criando uma nova chance para a tecnologia em
pesquisa. Algumas tecnologias ganham uma sobrevida. Neste caso, a
Tablet PC ganhou uma nova versão através dos computadores da linha HP e
por que não, dos smartphones. - Platô
da Produtividade: Uma tecnologia chega ao platô “de produtividade”,
com os benefícios amplamente demonstrados e aceitos. A tecnologia se
torna cada vez mais estável e evolui para uma segunda e terceira
gerações. O termo é usado agora de forma mais ampla na comercialização
de novas tecnologias. O YouTube e as linguagens XML e PHP são grandes
exemplos de tecnologias estáveis neste platô.
Em
uma breve conclusão, um líder de sucesso precisa fazer avaliações
individuais dos clientes e profissionais da equipe para poder alinhar e
potencializar cada indivíduo o mais próximo de um ideal. Por exemplo,
se um dos profissionais da equipe tem informações privilegiadas sobre
novas tecnologias, por que não estimulá-lo para que repasse estas
informações aos demais profissionais da empresa? Por outro lado, se por
acaso um cliente estiver defasado do ponto de vista tecnológico, como é
possível fazer com que ele comece a se tornar mais “geek”, mais
interessado em novas tecnologias?
Um forte exemplo disso atualmente são
as redes sociais. Como toda nova tecnologia, as redes sociais tiveram um
tímido começo, divulgado por alguns geeks. Porém, quando a massa
digital começou a utilizar esta nova ferramenta, ela passou a ser
objeto de desejo dos anunciantes. O efeito “Twitter” e “Facebook” virou
assunto frequente entre os clientes, anunciantes e agências de
comunicação, muitas vezes não tendo a dimensão exata do assunto.
Atualmente, as redes sociais vivem um desafio muito grande e precisam
ainda encontrar um papel dentro de uma ferramenta de comunicação que se
sustente. Ninguém duvida da capacidade de comunicação das redes
sociais, porém, ninguém sabe ao certo ainda aonde vai dar.
Mas o que acontece quando as pessoas que trabalham com comunicação não
aceitam as novas tecnologias? Qual o seu fim dentro desta indústria que
se alimenta de idéias e tecnologia? Elas têm duas possibilidades e as
duas, infelizmente, não são boas. A primeira consequência para aqueles
profissionais e empresas que não aceitam as novas tecnologias será o
fato de não aproveitarem a quantidade de inovação que é oferecida a
cada momento. E, a consequência mais dura possível, é que estes
profissionais e empresas ficarão ultrapassados, pois, atualmente, a
concorrência vem de todos os lados.
*
Veja os slides da apresentação da pesquisa Luddites@CommunicationIndustry
Luddites@communicationindustry
View more documents from Sergio Mugnaini.
[i] – HARRINGTON, Jan. Technology and Society. Sudbury, Jones & Bartlett Publishers, 2008
[ii] – http://www.slideshare.net/mug9/ludditescommunicationindustry-1980185
[iii] – Stach, Arne. AHEAD inside the world’s most creative agencies, final paper, presented at University of Duesseldorf Kommunikationsdesign, 2007.
[v] – Taptscott, Don. Grown Up Digital How the Net Generation is changing the world. Columbus, Ed. The McGraw-Hill, 2009.