Quando comecei com agilidade, em agosto de 2010 (curiosamente na mesma época em que a primeira versão do Scrum Guide foi lançado), não se falava em nada próximo a “carreira com agilidade”. Todos éramos analistas (meu caso), desenvolvedores, gerentes de projeto, etc, e que havíamos nos interessado por métodos ágeis de desenvolvimento de software.
Geralmente dividíamos nossas horas estudando entre nosso cargo “de verdade” e nosso recém adquirido papel: Product Owner ou Scrum Master, dependendo da função na época.
Era um movimento um tanto hippie, uma contra cultura dentro da engenharia de software, da análise de requisitos e da gestão de projetos – temas sempre tão rígidos e geralmente associados a “pessoas de sucesso” usando terno e gravata. Mas esses tempos passaram.
Agilidade deixou de ser um tema indie e se tornou mainstream (assim como a cultura nerd, aliás). Com a adesão de cada vez mais empresas ao “agile way” de trabalhar, a demanda por profissionais especializados em atividades como Product Ownership e Scrum Mastering cresceu muito, gerando até mesmo um terceiro nicho de atuação mais estratégico, ligado a Agile Coaching.
O fato é: hoje você não tem apenas a opção de seguir uma carreira em papéis ágeis como o próprio mercado está demandando isso. Existem vagas especificamente com estas descrições e o “passe” desses profissionais está extremamente valorizado diante do cenário econômico e tecnológico que tem obrigado as empresas a mudarem seus paradigmas de trabalho para algo cada vez mais próximo a startups digitais.
Quer você goste ou não do que agilidade se tornou, para mim e para muitos outros profissionais apaixonados pelo tema, poder “viver de agilidade” é algo indescritivelmente bom.
Não apenas pela profissão ou pelo tema em si, mas porque realmente acreditamos que é possível criar times de alta performance, entregar valor para os clientes e, de quebra aumentar a eficiência das empresas. Tudo isso às claras, com aval da alta gestão, sendo contratado para fazer isso ao invés de ter de ficar forçando a barra com seu gestor para conseguir fazer o setor usar um kanban.
No artigo de hoje quero falar sobre a minha percepção do mercado para Scrum Masters, Product Owners e Agile Coaches, fechando com dicas de como eu me mantenho atualizado e competitivo neste mercado.
O mercado para Scrum Master
Ok, talvez você não goste deste nome – talvez você não goste de Scrum.
Pense neste papel como o agilista da linha de frente, da operação, que toca o dia a dia com os times para ajudá-los a melhorar continuamente e realizar entregas com fluidez (sem impedimentos). O Scrum é o framework ágil mais utilizado no mundo (e suas variações, obviamente), então não sinta-se ofendido quando eu chamar um agilista padrão de Scrum Master, é apenas o nome mais comum para designar este papel nas empresas que usam métodos ágeis, e é justamente o nome mais reconhecido no mercado para esta função.
Existem correntes defendendo nomes como Agile Master ou querendo designar que todo agilista é um Agile Coach, mas são movimentos pequenos e na grande maioria das vagas você ainda verá Scrum Master por algum tempo, mesmo que a empresa não rode somente Scrum. Sobre Agile Coach x Scrum Master, falarei sobre mais tarde.
Fugindo das nomenclaturas, o Scrum Master é de longe o papel com o maior número de vagas. Todos já ouviram falar de histórias em que a empresa X adotou o framework Scrum e melhorou suas entregas, sua qualidade, o engajamento das pessoas, etc. Isso faz com que naturalmente se busque profissionais que em tese consigam o mesmo feito.
Iniciar uma transformação ágil em pequena escala usando apenas Scrum Masters não é apenas perfeitamente possível, como também é a prática mais difundida de transformação ágil no mundo, segundo a pesquisa State of Scrum de 2017/2018, que relata como sendo eles os principais líderes de transformações, atrás apenas da alta gestão das empresas.
Para se dar bem nesta carreira é importante ter domínio de, no mínimo, um framework básico como Scrum, Kanban ou XP, e conhecer o básico deles três. Embora este seja um tema um tanto polêmico, é inegável que ter certificações em métodos ágeis faz uma diferença enorme em seleção de currículos.
Ter certificações em métodos ágeis não garante sua experiência na aplicação prática dos mesmos, mas garante o conhecimento essencial e atesta o seu real interesse nessa carreira, uma vez que está investindo em certificados específicos para ela. Quando o assunto é prática, vale citar as experiências nos times em que pôde atuar nessa posição, mesmo que part-time.
Aqui você confere algumas vagas para Scrum Master ao redor do mundo e seus salários.
O mercado para Product Owner
Este não é um cargo tão popular quanto Scrum Master, mas que vem crescendo em força nos últimos anos.
Muitas empresas possuem outras funções mais tradicionais da área de produtos e/ou projetos que por vezes incorpora alguns elementos de Product Ownership do Scrum no seu dia a dia. Os exemplos mais clássicos são os Product Owners que na verdade são Gerentes de Projeto (Project Managers) ou Analistas de Negócio (Business Analysts) utilizando métodos ágeis (eles costumam representar o cliente dentro de empresas de software) ou o caso dos Gerentes de Produto (Product Managers), figuras tradicionalmente detentoras da responsabilidade e ownership de um ou mais produtos da empresa que acabam se apropriando de práticas ágeis.
Assim como no caso Scrum Master x Agile Coach, não é incomum em grandes organizações existir uma diferença entre os papéis de Product Owner e Product Manager.
Não é incomum o Product Owner ser a linha de frente do desenvolvimento de produtos, derivando a estratégia de um Product Manager em um plano tático a ser executado com um time de desenvolvimento. O guru Roman Pichler fala muito sobre isso nos materiais que ele escreve e vale dar uma lida se o assunto Product Ownership x Product Management lhe interessa.
Independente do nome e/ou múltiplos papéis para produtos, é fato que a divisão em departamentos completamente isolados que se tinha no passado deve cair em desuso pois não faz mais sentido.
TI e Negócios têm que trabalhar o mais próximo possível, e o jeito que as empresas vem encontrando para fazer isso acontecer é ter um representante de negócio em cada um dos times, geralmente associando a esse profissional o papel ou até o cargo de Product Owner, em alusão a essa mesma figura presente no Scrum Guide.
Quer você seja um Product Owner literal ou um analista com uma pegada agile, para se dar bem como Product Owner você tem que ir além da análise de requisitos que fazíamos no passado. Você tem de realmente entender o negócio, ser propositivo, trabalhar com uma cultura de desenvolvimento de produtos e não de projetos. Você tem de ter uma capacidade muito acima da média de negociação e gestão de expectativas dos stakeholders.
Aqui, apesar de também existirem certificações e cursos, nada supera os produtos que você participou da construção. Bons cases de Product Owners são aqueles em que produtos do zero (se tiver sido uma proposição do P.O. melhor ainda) foram criados com um baixo custo e que deram um excelente retorno. São aqueles cases em que o Product Owner era responsável pela gestão de um produto “carro-chefe” de uma empresa, liderando um ou mais times de desenvolvimento para sua construção.
Ter certificados como Product Owner até podem ajudar, mas muito menos do que no caso do Scrum Master e ao invés de dominar frameworks ágeis específicos, é muito mais vantagem você dominar técnicas como Lean Startup, Lean Inception e Business Model Canvas (e suas variações).
Aqui você confere algumas vagas para Product Owner ao redor do mundo e seus salários.
O mercado para Agile Coach
Um primeiro ponto para deixar claro é que, independente de hoje eu ser um Agile Coach, eu fui Scrum master durante muitos anos e venho estudando este mercado há muitos anos também. Minha percepção é que, independente do que você acredite em termos de hierarquia, senioridade, agilidade, etc, temos como fato que, para o mercado, um Agile Coach não é apenas um agilista que usa vários frameworks como algumas pessoas falam.
Ele é visto e procurado – pelas grandes empresas principalmente – como um agilista muito sênior, que já viu e aplicou muita coisa, de literaturas diferentes, passou por várias empresas, tem certificações variadas e já foi Scrum Master por alguns anos, possuindo uma visão mais holística e sistêmica da agilidade em escala (i.e. aplicada a muitos times que precisam coexistir e colaborar para fazer grandes entregas).
Ou seja, embora você possa contratar Agile Coaches para colocar na linha de frente, com cada um dos seus times, este talvez não seja o melhor uso que você possa fazer deste profissional, a menos que sejam vários times ou times muito complexos (em termos de sizing, entregas, desafios, etc).
Via de regra, contrata-se Agile Coaches para: formar novos agilistas e estruturar grandes transformações em empresas. Em empresas em que se tenha a necessidade de Scrum Masters e Agile Coaches (ambos papéis), os primeiros estarão na operação, enquanto os segundos estarão na estratégia ou no âmbito tático, dependendo da importância da agilidade para a empresa.
Em empresas muito grandes e muito complexas, é natural que ainda exista um terceiro papel de agilista, o de Enterprise Agile Coach ou simplesmente Enterprise Coach, uma figura mais executiva e estratégica para o qual os demais agilistas respondem administrativamente, inclusive.
O que quero dizer com tudo isso é: se você não tem uma vasta experiência como Scrum Master, não domina pelo menos dois ou três frameworks, não tem algumas certificações que atestem o seu conhecimento e compromisso com essa carreira, não diga que é um Agile Coach apenas porque não quer ser chamado de Scrum Master – fica feio.
É o mesmo que programador junior falando que é engenheiro de software. É pior que analista de sistemas dizendo que é arquiteto de software. Fundador de microempresa se chamando de CEO. Sem desmerecer ninguém, estou ajudando a não passar vergonha frente a um mercado cada vez mais exigente.
Atualmente existe uma corrente que tem defendido fortemente que o Coach no nome deve ser respeitado e seguido, que o Agile Coach deve realmente ser um coach, ter prática com o método de coaching profissional até para conseguir fazer transformações mais profundas nas pessoas.
Não consigo afirmar que isso está de fato sendo exigido, pois é minha primeira experiência como Agile Coach, mas te garanto que ajuda e muito no dia a dia do trabalho desse profissional. Fazer uma boa formação em coach profissional pode te ajudar não apenas no âmbito profissional, mas no pessoal também. Logo, se vai seguir carreira como coach ágil, começar sendo um bom coach faz bastante sentido.
E por fim, tenha cases. Grande parte das contratações de agile coaches são para liderar transformações ágeis. E se você até hoje nunca transformou nada (nem um punhado qualquer de times), como confiar que você conseguirá dar conta deste desafio?
Ter passado por momentos difíceis profissionalmente, grandes realizações com times, implantações de novos processos em múltiplos times, superado desafios de grandes entregas, etc, são todos atestados de experiência prática, principalmente se feitos sob o papel de Scrum Master, que seria a porta de entrada para esta carreira.
Vale ressaltar também que, diferente de Scrum Master e Product Owner, que às vezes são apenas papéis de pessoas em outros cargos (menos que no passado, mas ainda existente), Agile Coach é na maioria dos casos um cargo dentro das empresas, raramente sendo associado como um papel complementar de outro cargo, embora não seja impossível. Já ví líderes de inovação usando o chapéu de Agile Coach e já vi, em startups, Gerentes de Produto atuando como Agile Coach.
Caso se interesse por essa carreira em específico, eu tenho esse outro artigo ensinando como se tornar um Agile Coach, e aqui você confere algumas vagas para Agile Coach ao redor do mundo e seus salários.
Como se manter competitivo no mercado de agilidade
Acredito que eu tenha obtido uma competitividade bem interessante de uns anos pra cá. Hoje é bem comum eu receber ofertas de trabalho de grandes empresas dentro e fora do meu estado para conduzir transformações semelhantes a que estou liderando no Agibank (na verdade eu sempre recebi muitas ofertas, mas mais pelas minhas skills como analista/programador).
Esse resultado positivo que venho tendo é fruto de uma série de iniciativas conscientes de minha parte, uma vez que não trabalho contando com “sorte”.
A ideia deste tópico é lhe dar algumas ideias de como você, aspirante a Product Owner, Scrum Master ou Agile Coach, pode fazer para se tornar mais competitivo em um mercado que tende a ficar cada vez mais concorrido e ao mesmo tempo mais convidativo.
Primeiro, nutra sua presença online, seu marketing pessoal na internet. Ter um perfil no LinkedIn não é mais opcional e você ainda tem de garantir que ele seja ativo em temas relevantes para a função que procura.
Outros canais que você possa usar com cunho profissional, como páginas no Facebook, também podem ser usados com o mesmo propósito e se conseguir escrever regularmente para algum portal ou seu próprio site, melhor ainda.
Curiosamente, as pessoas tendem a atribuir uma imagem de experts às pessoas que escrevem sobre algum assunto.
Segundo, falando de perfil ativo, é importante que você compartilhe conteúdos (seus ou de outros autores) que tenham relevância como a função pretendida – é um ganho duplo: ao estudar sobre agilidade e compartilhar o que estuda, você passa também a imagem de estudioso naquele assunto.
Você ganha o conhecimento e ainda faz o marketing pessoal. Recomendo artigos do Serious Scrum, Paulo Caroli, Roman Pichler, David Anderson, entre outros autores (como eu).
Terceiro: quem não é visto não é lembrado. Você tem de se organizar, de alguma forma, para ir a eventos, cursos, conferências, meetups, etc. Aqui, novamente, é uma relação de ganho duplo, uma vez que você estará adquirindo mais conhecimento e fará networking.
Networking é a chave para as melhores oportunidades, além de facilitar a entrada nas empresas que você deseja trabalhar. O networking entre os agilistas é muito poderoso para vagas de emprego, saber de outras oportunidades como cursos e conseguir até novos negócios como parcerias e prestação de serviços. As comunidades que participo são muito receptivas e sempre aprendo muito com elas.
Recomendo o meetup.com para meetups de agilidade e o Sympla como plataforma para achar cursos pagos. Falando de eventos, o TDC roda algumas capitais do país e sempre possui trilhas muito boas de agilidade, além dos eventos imensos como Agile Trends e Agile Brazil, que infelizmente estão cada vez mais caros e estão deixando de se tornar uma opção para entrantes nessa carreira.
E quarto, na mesma linha do marketing pessoal, se você está buscando uma posição de senioridade em um papel ágil (como no papel de Agile Coach, por exemplo), você tem de ser reconhecido como tal. Ao invés de simplesmente participar dos eventos, organize ou palestre em um deles.
Ao invés de simplesmente ler artigos sobre agilidade no Medium, crie uma página de agilidade lá. Posicione-se como referência ao invés de apenas seguir referências.
Isso não quer dizer “pare de estudar” – longe disso, mas coloque-se em uma posição de quem sabe o que está falando e fazendo, tomando uma atitude mais ativa na comunidade ágil ao invés da tradicional passiva. Comunique-se com a comunidade em duas vias. Sabia que escrever um livro não é um bicho de sete cabeças?
Claro que nada disso para em pé sozinho se você não for um bom profissional, mas vou entrar no óbvio, ok?
Espero que este artigo te ajude a trilhar uma bela carreira com agilidade. Ficou com alguma dúvida? Deixe nos comentários!