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3 abr, 2013

Aplicando Perl à Grafologia

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O objetivo deste artigo é descrever, de forma bastante sucinta, como aplicar processamento de imagens usando Perl em análise grafológica para identificar padrões de comportamento e personalidade para a área de recrutamento e seleção, muito utilizada no setor de Recursos Humanos das empresas.

Para entender a Grafologia, faz-se necessário alguns conceitos que serão úteis no decorrer do artigo. Para tanto, vamos começar falando de algo muito simples, da folha de papel em branco, que, na perspectiva grafológica, é o espaço de afirmação e expressão do indivíduo. A superfície onde se escreve é como um universo para a grafologia, uma vez que é nela onde se redige o texto em que será avaliado pela forma como nos manifestamos neste universo.

A maneira de um indivíduo se apropriar desse espaço ou universo, e de se afirmar através dele, é regulada respectivamente pelas normas sociais e culturais, que comparativamente são as margens: superior, inferior, esquerda e direita, bem como pelo tamanho e volume das letras, que diminui à medida que se vai dando a evolução psicoafetiva e grafomotriz da pessoa.

O gesto gráfico está sob a influência imediata do cérebro. Sua forma não é modificada pelo órgão escritor se este funciona normalmente. Todos os gestos, de qualquer amplitude da escrita, estão diretamente ligados aos nossos estados psicoafetivos e psico-cognitivos. A forma particular que um indivíduo dá a uma determinada letra do alfabeto normalmente tem origem em diversos fatores físicos e emocionais.

Pois bem, à medida que nos envolvemos com o texto que escrevemos, nosso consciente tende a ir relaxando e começamos, então, a ser comandados pelo inconsciente. Assim, compreende-se que o estudo grafológico pode nos proporcionar muitas informações sobre quem escreve.

A Grafologia é uma técnica de observação e interpretação que possibilita o estudo do sujeito pela análise de sua grafia, e pode ser estudado sob três perspectivas:

  • Projetiva: Pois projeta a personalidade a partir de certas convenções, como margens, acentos e parágrafos.
  • Expressiva: Porque é um gesto de expressão da psicomotricidade.
  • Representativa: Porque as formas da escrita representam uma escolha, mostram de maneira inconsciente a impressão que o escritor deseja passar a quem lê.

*A princípio, o estudo da escrita era um processo empírico e se tornou mais robusto na França através de pesquisadores como Jacques Raveneau em trabalhos como “Traité des Inscriptions em Faux” (1665), além de Michón e Crépieux-Jamin, principalmente em relação à Grafologia, ressaltando o estudo da personalidade do indivíduo por meio da escrita. Através de suas pesquisas, T. Wilhelm Preyer, químico e fisiologista, demonstrou que a escrita é um ato cerebral.

Edmond Solange Pellat, considerado o pai da Grafoscopia, foi quem utilizou esse pensamento de Preyer e estabeleceu as leis do grafismo, formulando em seu livro Les Lois de L´écriture as quatro leis que respaldam a Grafoscopia, baseando-se no princípio fundamental de que o grafismo é individual e inconfundível.

Primeira Lei da escrita

O gesto gráfico está sob a influência imediata do cérebro. Sua forma não é modificada pelo órgão escritor se este funciona normalmente e se encontra suficientemente adaptado à sua função.

Quando o organismo está funcionando normalmente, o cérebro comanda a ação que é direcionada aos músculos, a fim de efetuar os gestos que irão gerar a escrita. Portanto, a sua produção pode ser efetuada, por exemplo, pela mão esquerda de um escritor destro, caso haja necessidade, sem que para isso se percam as características que individualizam a escrita.

Segunda Lei da Escrita

Quando se escreve, o ‘eu’ está em ação, mas o sentimento quase inconsciente de que o ‘eu’ age passa por alternativas contínuas de intensidade e de enfraquecimento. Ele está no seu máximo de intensidade onde existe um esforço a fazer, isto é, nos inícios, e no seu mínimo de intensidade onde o movimento escritural é secundado pelo impulso adquirido, isto é, nas extremidades.

O ato de escrever se inicia por um comando, mas prossegue por um instinto natural, sem que o escritor se dê conta de todos os mínimos que ocorrem durante a sua produção. É conhecido como automatismo gráfico.

Terceira Lei da Escrita

Não se pode modificar voluntariamente em um dado momento sua escrita natural senão introduzindo no seu traçado a própria marca do esforço que foi feito para obter a modificação.

Logicamente, contrapondo o que foi dito anteriormente, o esforço em escrever de forma consciente de todos os traços e minúcias quebra a espontaneidade do ato em si. A naturalidade com que a escrita se processa se torna um dos elementos que auxiliam na distinção de uma falsificação, em que as formas do verdadeiro autor podem ser copiadas de uma maneira mais “arrastada”, perdendo a sua naturalidade e, consequentemente, sua individualidade.

Quarta Lei da Escrita

O escritor que age em circunstâncias em que o ato de escrever é particularmente difícil traça instintivamente ou as formas de letras que lhe são mais costumeiras, ou as formas de letras mais simples, de um esquema fácil de ser construído.

O escritor geralmente recorre a traços mais simples quando acontecem situações que limitam o ato da escrita, como: problemas com o instrumento escrevente, suporte inadequado, posição do punho escritor em relação ao suporte, produção da escrita em movimento etc.*

Por que a linguagem Perl foi à adotada para as análises e o processamento das imagens Grafológicas? Porque Perl é livre. Perl é uma linguagem estável e multiplataforma, usada em aplicações de missão crítica em todos os setores. Perl permite a criação de programas em ambientes UNIX, MSDOS, Windows, Macintosh, OS/2 e outros sistemas operacionais, é extremamente versátil.

A coisa agradável sobre Perl é que você pode aprender a escrever programas com bastante rapidez! Em essência, Perl tem uma baixa curva de aprendizado. Isso significa que você pode começar a programar com facilidade, sem ter que dominar um grande escopo de informação antes de escrever programas úteis.

Você sabe por que o camelo é o símbolo do Perl? Ele não é gracioso, não é bonito, parece que foi feito de pedaços de outros animais e se você tratá-lo mal ele cospe no seu olho. Mas camelos são surpreendentemente rápidos, podem carregar cargas pesadas e vão continuar avançando felizes muito depois que seu cavalo morrer. Assim é o Perl se comparado com outras linguagens!

logo-perl

Entretanto, é bom salientar que a tecnologia A ou B não importa! Pois, se não tiver conhecimento e sabedoria para saber que tem rodar o parafuso 0.001mm à direita ou à esquerda, de nada vale apenas a tecnologia. Após essa introdução, vamos aplicar o Perl à Grafologia. Para tanto, após coletar o texto a ser examinado, o próximo passo é digitalizar esse texto através de um scanner com resolução igual a 600 dpi, ou seja, 600 pontos por polegadas, e a partir dessa imagem é de onde serão examinados os elementos gerais da escrita, objetivos e subjetivos.

No levantamento dos elementos objetivos, serão focalizados, por exemplo, a inclinação axial, o calibre dos caracteres, interessando, sobretudo, a relação de sua proporção entre todos eles.

Constatação do alinhamento gráfico, em relação à linha de pauta – impressa ou ideal, o andamento da escrita – os espaçamentos, retomadas do traço que tanto podem ser características do punho escritor como resultado de imitações.

Estudar os traços complementares de alguns caracteres, como o corte do t, quanto à sua localização na haste, ao seu tamanho, sua localização em relação à própria letra – acima da haste, à esquerda ou à direita, registrando-se os pormenores. O mesmo é feito em relação ao pingo do i, registrando sua forma e localização e até sua inexistência e, finalmente, a cedilha do c cedilha.

O texto a ser analisado capturado pelo scanner é transformado em uma imagem digital, que após o processamento será representada de forma tridimensional, e utilizando uma codificação de números binários que permite o seu armazenamento e processamento.

Após esse pré-processamento, passa-se para o reconhecimento de padrões, no qual se classificam os traços a partir de informações estatísticas extraídas dos padrões encontrados no texto analisado, em que no contexto desse trabalho, a cor é usada para classificar os objetos de interesse, e esse processo é feito de forma automatizada, através de um programa escrito na linguagem Perl.

Durante o processamento da imagem para extração dos padrões grafológicos, são analisadas algumas grandezas como: Luminância, Refletância, Matiz, Saturação e Tom – essas informações pode ser obtidas pelas bibliotecas fornecidas pela própria linguagem.

A luminância é uma medida da densidade da intensidade de uma luz refletida numa dada direção, cuja unidade SI é a candela por metro quadrado (cd/m²). Descreve a quantidade de luz que atravessa ou é emitida de uma superfície em questão, e decai segundo um ângulo sólido.

A refletância é a proporção entre o fluxo de radiação eletromagnética incidente numa superfície e o fluxo que é refletido.

A matiz é uma das três propriedades da cor que nos permite classificar e distinguir uma cor de outra através de termos como vermelho, verde, azul etc. A matiz também é uma das três dimensões em alguns modelos de cor junto com saturação e luminosidade às quais, às vezes, se junta outra dimensão, para emular outro atributo, a transparência.

O tom é o atributo distinguível de uma cor e varia de intensidade quanto à saturação, é a pureza ou a opacidade de uma cor. O valor tonal representa para nós a intensidade de luminosidade, criando a ilusão do tridimensional. Justamente com a perspectiva, o tom traz por meio da representação gráfica a sensação de volume.

A saturação ou grau de pureza da cor é um parâmetro que especifica a qualidade de uma matiz de cor pelo grau de mixagem da matiz com a cor branca, sendo usual referir-se também à refletância da amostra como um atributo daquela cor.

Todos esses conceitos são importantes no processamento e identificação dos padrões grafológicos. Para classificar os padrões grafológicos, o processamento é feito utilizando o algoritmo K-MEANS, em seguida a comparação das distâncias euclidianas, em que são levadas em consideração informações de luminância e saturação, para determinar, por exemplo, a sobreposição do corte da letra t, da letra g, da letra p, o cedilha, do pingo do i, e assim por diante.

No processo de analise grafológico, são observados vários aspectos, então não são as curvas nas letras que indicam diferença no comportamento, por exemplo. Entretanto, uma escrita com pontas diz que a pessoa tende a ser resistente, a se proteger, podendo ser até intransigente, mas em compensação tende a ser firme, dura, ser líder.

A curva na letra é sinal de sedução, é de um perfil que consegue as coisas por meio da maleabilidade, da negociação, do convencimento. Durante a análise, são feitos cálculos que permitem identificar qualquer alteração de formato dentro da mesma escrita, o que leva a identificar uma mudança de comportamento do indivíduo analisado, ou seja, quando uma pessoa começa a escrever de um jeito e termina de outro, vai revelar uma instabilidade de energia, de humor, e pode indicar desequilíbrio.

Para executar todos esses cálculos, é utilizado o padrão de cores CIE-XYZ, Commission Internationale d’Eclairage, que representa um espaço de cor matemático que independe dos dispositivos de aquisição das imagens. Em 1931, a CIE definiu três novas primárias: X, Y e Z. Com essas novas primárias, todas as cores podem ser reproduzidas com valores positivos, onde temos o Y representando a luminância, e o x e o y croma, sendo x e y derivados matematicamente de X, Y e Z.

cromaticidade

Diagrama de cromaticidade do padrão CIE 1931 xy

Utilizando a biblioteca do Perl GD, que é uma biblioteca gráfica, e também Color::Similarity::HCL, que é uma biblioteca para trabalhar com cores, além das bibliotecas Math::Trig e Math::Round, que são bibliotecas matemáticas, para fazer os cálculos trigonométricos e estatísticos necessários a partir da imagem coletada e processada, é possível fazer as identificações do padrões grafológicos de modo a auxiliar o profissional de Recursos Humanos no momento de selecionar o melhor profissional para um determinado cargo. Abaixo, temos a escrita de uma criança de 6 anos e 3 meses do 1º ano, em que foi observada a ausência de margens superior e esquerda na folha de papel, ou na superfície onde se escreve.

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Figura 1: Imagem original

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Figura 2: Imagem processada pelo programa Perl

Após o processamento da imagem original, figura 1, é possível verificar como ficaria essa imagem num formato 3D, ou formato de profundidade da escrita. Nesse ponto, o programa separa as letras para tratar o seu formato e espacejamento entre elas, que também tem influência nas caracterizas da analise grafológica.

Na figura 3, temos a letra M e a Letra A, em que o programa identificou que o traço que corta a letra A é bastante superior e muito leve, e o espaçamento entre as letras segue um padrão.

figura3

Figura 3 – Analise das letras M e A

Para fazer a análise e as transformações e a retirada de elementos alheios à escrita, é feita uma separação através da matiz que identifica o elemento escritor; nesse caso, a imagem é processada e é feita essa separação. Para tanto, a imagem original é transformada em um padrão de cores que permite fazer essa separação, o padrão YCbCr.

Nas figuras 4, 5 e 6 são mostrados os resultados obtidos por esse processamento, em que foi utilizada a letra O.

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Figura 4. Imagem original

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Figura 5. Imagem processada segundo o modelo YCbCr

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Figura 6. Imagem final

Após o processamento, o sistema identifica a espessura e a forma da escrita; no caso dessa letra, a força é mais acentuada do lado esquerdo, e sua inclinação axial é para direita.

Abaixo, temos outra análise feita pelo programa que identifica o perfil do escritos. Análise da escrita de um indivíduo com capacidade de assimilação de conteúdos.

Características da escrita: agrupada/aberta com predomínio das curvas, bom espaçamento entre as palavras e linhas, bom enquadramento no papel, espontânea e progressiva. Indivíduo com grande capacidade de assimilação.

Na figura 7, temos o texto original; na figura 8, uma parte do texto que foi extraído como exemplo para se fizer a análise; em seguida, na figura 9, têm-se duas letras retiradas do texto original e que foram processadas para gerar a informação da figura 10, que é base para os cálculos estatísticos e trigonométricos usados pelo programa para definir os padrões grafológicos.

Dentre alguma das informações extraídas da figura 10, tem-se o agrupamento e a abertura da escrita, o predomínio das curvas e a não retirada do elemento escritor do papel no momento da escrita, demonstrando continuidade na escrita.

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Figura 7 – Imagem original

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Figura 8 – Imagem processada

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Figura 9 – Imagem original

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Figura 10 – Imagem processada para extração das características

A próxima analise feita detectou que o individuo é uma pessoa que assume riscos calculados. Segue abaixo a sequência da análise que vai da análise original, figura 11, até a imagem processada e de onde foram extraídos os padrões, figura 16.

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Figura 11 – Imagem original

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Figura 12 – Imagem processada para tons de preto e branco

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Figura 13 – Imagem processada para o padrão YCbCr

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Figura 14 – Letra P processada preto e branco

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Figura 15 – Letra P padrão YCbCr

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Figura 16 – Imagem processada para extração das características

 

Nesse indivíduo, a característica predominante é a de um individuo que assume riscos calculados.

Como se pode observar, utilizando conhecimentos de processamento de imagens digitais, matemática, estatística, reconhecimento de padrões, e neurociência aplicados a uma linguagem de programação altamente poderosa, é possível desenvolver ferramentas que auxiliem profissionais de todas as áreas na tomada de decisão.

A Grafologia é uma ferramenta fundamental em um processo seletivo, chegando a ser decisiva, sendo que essa etapa deve ser posterior à triagem do currículo, mas anterior à entrevista pessoal. Isso porque pela análise comportamental dos traços que a pessoa apresenta em sua redação, é possível ao entrevistador conduzir a entrevista de forma a buscar confirmação daquela tendência. Mesmo que o candidato queira mentir ou omitir fatos durante a entrevista, ele não consegue fazê-lo ao escrever. A escrita denuncia o que as palavras podem estar dissimulando. A escrita é muito menos manipulável.

Há candidatos que fazem teatro; mas não pode esconder aquilo o que está em seu cérebro. E, mesmo a pessoa estando nervosa para escrever, a escrita dela não se altera.

***

* Trecho de autoria de Adriana Queiroz, na íntegra em http://www.grafoexame.com.br/page/2/

Artigo de Hailton David Lemos, publicado no Equinócio 2013 do grupo São Paulo Perl Mongers – http://sao-paulo.pm.org/equinocio/2013/mar/08-aplicando-perl-a-grafologia

Texto sob Creative Commons – Atribuição – Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não Adaptada, mais informações em http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/