DevSecOps

18 nov, 2013

Futuro imperfeito.

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Morreu. Indigente e sem deixar herdeiros, aquela fantasia que chamávamos de “Futuro” já era. O amanhã não é mais como o era nos anos 50, pensar a longo prazo se tornou tarefa complicadíssima. O “presente” é atemporal, misturando elementos antigos com tecnologias nunca vistas.

Não é preciso ter cabelos brancos para se lembrar da infância como um lugar distante, remoto, caipira. Entre os mais novos é comum a surpresa com a vida pacata de seus pais e avós em comunidades cuja maior rede de comunicação era a fofoca e a realidade mais próxima da virtual era o paraíso. Mesmo com eletricidade, TV e telefones, o mundo de 1982 ainda seria compreendido por alguém vindo de 1682.

Não mais. As inovações cotidianas chegam tão rápidas que atordoam. Muitos cultuam Bill Gates, Steve Jobs ou Jeff Bezos, acreditando que a mudança seja invenção deles. Bobagem. Ninguém inventou a confusão, são todos cúmplices. Somos todos cúmplices.

Alfabetizados à base de Aplicativos, Bluetooth e Compartilhamento Digital, as crianças que nasceram depois de 2005 são a maior evidência dessa transformação. Bem diferentes de seus pais e irmãos mais velhos, são incapazes de imaginar o mundo desconectado e têm dificuldade em diferenciar Deus do Google. Acima de tudo, não entendem o apego de seus pais a títulos, atitudes, relacionamentos, empregos, instituições e hierarquias que, para eles, não fazem o menor sentido.artigo-revista_futuro-imperfeito

No mundo que vem por aí, não há lugar para absolutos. Tudo se torna cada vez mais relativo, medido por comparações. A ordem foi substituída por um caos administrado, cheio de variáveis como um videogame. Originais foram trocados por pastiches, o coletivo perdeu importância para o personalizado, a contenção deu lugar ao hedonismo e o comportamento passivo e coletivo parece ter sido substituído por uma postura ativa, egocêntrica, insolente. O mundo offline está cada vez mais parecido com seu equivalente online. A vida continua a imitar a arte.

A Internet e o smartphone aceleraram a transformação, ao eliminarem a crença no “amanhã” e colocarem todos em um presente contínuo, hermético, controlado por processos cada vez mais complicados, em que tudo parece mais próximo e transparente. Marshall McLuhan chamaria esse mundo pequeno de “aldeia global”, mas vilarejos são ambientes restritos e limitados, não há aldeia que comporte tantas tribos. Em comunidades fechadas todos queriam pertencer, hoje a regra é se diferenciar. Não há mais tempo para rituais e históricos, a identidade passou a ser externa e baseada em símbolos que mudam rápido. As credenciais são medidas pela informação consumida e exibidas em atualizações em mídias sociais.

O mundo digital escapou até das nossas tentativas de abstração. Até há pouco tempo era possível “pegar” a Internet. Ela era tangível, existia vida fora dela. Hoje, onipresente e gigantesca, a máquina ligada para nunca mais ser desligada desafia nossas potências de dez. Em um minuto, 717 novas pessoas entram na Internet, 411 no Facebook; 70 novos domínios e 435 contas de e-mail são registrados; 640 TB de dados são transferidos; 171 TB de documentos, compartilhados. A cada minuto, há 416 tentativas de cracking, 12 delas bem-sucedidas. Vinte novas vítimas de furto de identidade procuram seu verdadeiro “eu”. Cinco verbetes na Wikipedia e 1.500 posts em blogs aumentam nosso conhecimento a cada minuto. 168 milhões de e-mails enviados, 86 milhões de spams, 370 mil chamadas no Skype, 695 mil buscas Google e 600 vídeos novos no YouTube aumentam a confusão. Tudo isso em menos tempo do que levou para você ler este parágrafo.

O cenário é formidável. Só em 2013, a China ultrapassou os EUA em pesquisa, o número de equipamentos móveis ultrapassou o de Desktops, Internet das coisas e Impressão 3D passaram a ser realidades, aplicativos deixaram o ambiente dos computadores, smartphones e tablets, Google lançou óculos, Windows é usado em menos de 40% dos equipamentos, realidade aumentada e mobile commerce estão sendo cada vez mais usados, computação vestível e smart health deixaram os laboratórios, só pra falar das notícias mais manjadas.

Informação, mais do que nunca, é poder. E o poder é de todos. Nos próximos anos, esperam-se 3 bilhões de novos usuários, dobrando o número atual de 2,5 bilhões. Cada um com novas contribuições e demandas.

À velocidade da luz, o tempo se expande até chegar ao ponto em que se paralisa. Ao correr furiosamente para o futuro, parecemos ter chegado ao ponto em que ele se perdeu de vista – e com ele qualquer tipo de rumo. Passamos a viver em um presente contínuo, um “agora” eterno, em que tudo é comprimido e apresentado simultaneamente, chamando a atenção e pedindo decisões.

Para nós, que acessamos a rede, o mundo sem ela é quase inimaginável. Não há escola mais acessível e melhor distribuída do que os mecanismos de busca, capazes de levar a páginas e vídeos que ensinam a trocar um courinho de torneira, a tocar guitarra, a cozinhar ou a configurar equipamentos. Não há reputação de empresa, político, produto ou serviço mais democrática do que aquela vinda pelas redes sociais.

A inteligência artificial de sistemas de geolocalização e tradução se tornou quase uma prótese cerebral, tão usada que muitas vezes não nos damos conta de que ela existe. Quem usa cartão de crédito em um supermercado acessou, sem se dar conta, sistemas financeiros e de logística sofisticadíssimos, cujos empregos de qualidade só estarão disponíveis aos que saibam usar, com alguma proficiência, a rede.

Crescidos na rede e com a rede, estamos à vontade com o aumento exponencial da capacidade de computação, do armazenamento e da transmissão de dados. Para nós, a Internet não é um ‘espaço virtual’ em que se ‘surfa’, mas um ambiente invisível, familiar e indispensável, em que vivemos e de que fazemos parte, como ela faz parte de nós.

Nossa experiência com a rede é cada vez mais integrada. Entendemos cada vez menos o significado (ou a relevância) da desconexão. Para nós, não faz sentido ficar só, nu, cego, surdo e mudo no deserto da desinformação. Somos codependentes de bases de dados e de Inteligência Artificial e não nos sentimos frágeis ou menores por isso, muito pelo contrário. Acreditamos que confinar, restringir ou ignorar a rede é tão cruel e inútil quanto viver sem penicilina, transporte aéreo, transfusão de sangue ou pasteurização.

Vemos a Internet como uma forma de inteligência evolutiva, parte da realidade, máquina ligada para nunca ser desligada. Não nos surpreende que ela tenha se tornado muito maior do que imaginaram seus inventores. Nem nos espantam as transformações que os três bilhões de novos usuários esperados para a próxima década promoverão, tornando tudo o que foi feito até agora uma fração de seu verdadeiro tamanho. Sabemos que tecnologias como tablets e smartphones desaparecerão enquanto a Internet continuará, escapando a qualquer ilusão de controle ou restrição.

Para nós, a Internet não é uma técnica ou ferramenta, mas uma linguagem, que transcende o verbo e o texto, se mistura com elementos gráficos e conecta algarismos, algoritmos, métricas e dados de satélite. Se parece incompreensível é porque, como língua viva, suas metáforas se sofisticam com o tempo.

Na beira do abismo que chamamos de Futuro, nada mais será como antes. O homem dos próximos séculos será, provavelmente, bem parecido conosco. Mas falará uma língua intraduzível. Para compreendê-lo, é preciso entender a adolescência das interações. E aproveitar o máximo dessa fase para se preparar para o que virá pela frente.

Seja bem-vindo ao futuro do pretérito. Ninguém falou que seria fácil.