Carreira Dev

10 jul, 2017

O tênue equilíbrio da equipe que desenha produtos digitais

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*Este post foi originalmente publicado no Medium pessoal do autor. Confira aqui.

É sempre fascinante escutar os relatos com riqueza de detalhes que as pessoas contam sobre a concepção, desenvolvimento e lançamento de um novo produto ou serviço, seja em uma grande empresa ou pequena startup de amigos. Todavia, existe uma questão intrínseca à concepção de produtos que é vital para o sucesso, mas que para algumas pessoas passa despercebida quando a solução já está no mercado. Podemos chamar esta questão de “equilíbrio dos elementos” de uma equipe de produto.

Hoje, muitas empresas de diferentes portes trabalham com equipes multidisciplinares e isso é cada vez mais comum em todos os nichos de mercado, principalmente porque diferentes profissionais com experiências distintas apresentam maior probabilidade de alcançar o máximo de inovação em soluções para os projetos.

Entretanto, alinhar uma equipe em prol de um objetivo universal e com responsabilidades claras é um desafio permanente pelo qual todos que trabalham com produtos ou serviços, seja digital ou físico, já passaram, ou vão passar algum dia. O que torna crítico o entendimento dos papéis envolvidos nesse processo, suas armadilhas e as idiossincrasias de cada área.

Partindo da ótica de equipes de produtos digitais, habitualmente temos três grupos chaves que trabalham em conjunto: negócios, design e desenvolvimento. Se você trabalha no ramo há algum tempo, já deve ter visto variações dos termos, como product management ao invés de negócios ou setor de criação ao invés de design, e assim por diante.

Esses três elementos formam o núcleo responsável por boa parte dos produtos que existem hoje no mercado de varejo digital, desde um website a uma aplicação multiplataforma.

Alguns exemplos de nomes que as empresas costumam utilizar:

Em toda equipe, obviamente, existe algum tipo de conflito, seja ela multidisciplinar ou não, mas aqui exploraremos os mais comuns em cada um dos núcleos. Vamos notar que boa parte nasce do pouco entrosamento das equipes.

Uma raiz comum de conflitos é falta de entendimento do que é “trabalho em equipe”. Considerando a educação formal, o ponto de partida para o trabalho que exercemos hoje, infelizmente, boa parte de nós saiu de escolas e/ou faculdades fazendo trabalhos em grupo sem o foco no que realmente importa: a colaboração e sintonia entre as pessoas, que é a essência do trabalho em equipe. Podemos dizer, inclusive, que os trabalhos em equipe mais essenciais são executados por times esportivos ou integrantes de uma força militar, porque em ambos os exemplos se o time não estiver em sintonia, dificilmente ganhará a partida ou a batalha.

Pode-se pensar também que a cultura de certas empresas espera que seu comportamento seja “competitivo”, de acordo com as metas estabelecidas aos colaboradores. Entretanto, não se pode esquecer que a cultura é feita de pessoas e elas podem trazer o seu melhor, com o engajamento certo.

Listo aqui as principais situações que pude vivenciar e/ou presenciar em equipes de desenvolvimento de produtos. Esses exemplos apresentam nuances para cada time ou empresa.

Infelizmente, os desequilíbrios se repetem, contribuindo para a saturação dos três elementos principais e, em alguns casos extremos, podem até gerar a dissolução de equipes.

Desequilíbrio em negócios

Negócios ou gerência é naturalmente a ponta com maior força, não só pelas atribuições de liderança ou planejamento do produto, mas porque é onde são armazenados e interpretados os números mais relevantes do produto para a companhia: vendas!

  • Os números de vendas ou dados relevantes não são comunicados periodicamente — parece óbvio deixar a equipe na mesma sintonia, sempre respeitando o devido sigilo a cada tipo de produto, mas alguns tipos de gerenciamento de produto preferem manter a discrição dos dados. Essa preferência é um equívoco, principalmente quando os demais membros da equipe só tomam conhecimento dos números em uma reunião de urgência. Esse tipo de “informação estratégica” revelada em cima da hora pode ser motivo de muito estresse para a equipe.
  • Não são definidos os principais índices de performance do produto (KPIs) — é interessante frisar esse fator, pois os índices devem existir em qualquer planejamento de produto, portanto, se ele não existe, é preciso rever como o projeto está sendo gerenciado, pois impactará o que se espera que a equipe entregue.
  • O planejamento/roadmap do produto vem pronto — talvez esse seja o fator mais contraditório nos atuais tempos de implantação em massa de “metodologia ágil”. O ato de conceber ou planejar um produto sem ajuda da equipe que vai desenvolvê-lo é algo muito arriscado, pois a capacidade técnica e o tempo dos envolvidos influencia na qualidade e nos prazos de entrega das soluções prometidas.

Desequilíbrio em desenvolvimento

A área de Desenvolvimento já foi considerada o coração e a mente de empresas de tecnologia de renome. No entanto, a tecnologia é o elemento que tem mais interdependência dos demais elementos da equipe, pois é uma área que requer um direcionamento ou objetivo ligado às necessidades das pessoas e isso é algo que dificilmente nasce da própria tecnologia em si.

  • O produto é projetado apenas com as tecnologias vigentes — de acordo com o desafio proposto pelo produto, é necessário testar novas soluções tecnológicas ou a mescla de linguagens de programação, mas algumas equipes técnicas dificultam esse processo, pois isso requer mais horas de estudos, mudança de infraestrutura ou planejamento para implementação em larga escala e diversas correções de bugs.
  • As interfaces são baseadas em máquina-máquina e não homem-máquina — algumas companhias, para agilizar seu processo produtivo, utilizam frameworks ou configurações padrões de software, porém, algumas vezes esses “comportamentos” não atendem de forma assertiva os usuários daquele produto. Padrões agilizam o desenvolvimento, mas para se ter certeza de como as pessoas interagem não existe atalho, só testando com potenciais ou reais usuários do produto.
  • A tecnologia dita o ritmo de todas as etapas do produto — é sabido que a tecnologia dita o ritmo hoje das inovações, mas nem sempre seus potenciais usuários ou clientes estão dispostos a absorvê-la com toda a sede que você gostaria de vender. Além disso, nem todos os processos do desenvolvimento do produto são quantitativos, passíveis de serem resolvidos em segundos por um algoritmo. O fator humano deve ser considerado, mesmo que isso signifique que seus desenvolvedores devam ficar parados em uma sprint.

Desequilíbrio em design

Apesar da área de gerência/negócios ter noções da importância de prover a melhor experiência para seus clientes, existe um conflito de interesses na medida em que negócio é cobrado pelo “o que” vai ser feito, enquanto design é cobrado por “como” vai chegar ao cliente. Os papéis apresentam algumas sobreposições, porém as demandas e/ou expertises têm pontos de vista distintos sob o produto.

  • As pesquisas não são estratégicas para o produto — algumas técnicas apresentam grande versatilidade de aplicação. Todavia é tentador para os profissionais da área escolherem técnicas por costume ou por confiança na execução, somando pouco ao produto final.
  • Falta de foco no que causa maior impacto — o problema desse desequilíbrio é fazer com o que o produto possa apresentar apenas melhorias estéticas e sem impacto para as demais áreas envolvidas ou inovações. Importante também correlacionar as metas do produto com as pesquisas ou técnicas aplicadas, para que os demais comecem a entender o valor da melhor experiência do usuário.
  • O designer pensa as soluções sozinho — agindo de forma independente, sem a colaboração, ou compartilhamento de ideias com os demais elementos, a possibilidade de soluções inatingíveis ou apenas conceituais ocorrem com frequência, além disso, podem minar a construção da visão de uma empresa centrada no usuário.

Na tentativa de gerar inovação e uma real perspectiva dos clientes, algumas empresas como AirBnb têm colocado a gerência/negócios para cuidar do ponto de vista do cliente, o que talvez ocasione um conflito de interesses, já que esse setor está impregnado com a visão da melhor forma de vender mais, e não raramente isso pode afetar a privacidade, paciência e a melhor experiência de uso para os clientes.

Indo além do desequilíbrio

Sabe-se também que viabilizar equipes de produto em equilíbrio é difícil e existem até convenções que promovem debates sobre isso. Portanto, uma grande equipe não é apenas medida pela velocidade de entrega das tarefas ou a qualidade do produto no mercado e, sim, a harmonia e colaboração dos elementos envolvidos, dirimindo os deslizes mais comuns e tornando os produtos significativos para as pessoas que o desenvolveram.

O trabalho em equipe precisa ser discutido mais vezes pelos profissionais de produtos digitais, porque poucas pessoas que trabalham no desenvolvimento de produtos entendem que o equilíbrio desses três elementos é o que torna o produto/serviço algo significativo para os membros da equipe. Portanto, sem o engajamento que surge do “pertencimento” a algo que “vale a pena”, com uma visão concreta de valor, há grandes chances de ocorrerem inúmeros conflitos ou desmotivação da equipe ao longo do processo.

Contudo, o equilíbrio desses três elementos é almejado, mas poucas vezes é algo alcançado sem o empenho de todos os envolvidos, pois cada uma das pontas tem um ponto de vista que precisa ser complementado com os outros elementos. Talvez a empatia seja a melhor representação do centro dos três elementos. E qualquer um pode começar hoje essa mudança no seu local de trabalho, por meio de uma simples e direta comunicação, indo além dos problemas de transparência ou hierarquia em prol de um melhor dia-dia.

Boa sorte na sua jornada!

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