Carreira Dev

7 mar, 2014

Mulheres na TI: codando a igualdade

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A gente não precisa nem falar de Grace Hopper ou Dana Ulery para provar a tese. Está aí Um-An Chiou para não nos deixar mentir: a mulherada domina código, sim, senhores. E adora colaborar, tem sistema biológico pronto para a multitarefa. Mesmo assim, as diferenças salariais só crescem, e encontrar mulheres nos times de desenvolvimento (quem dirá em cargos importantes) é coisa rara.

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Não precisamos citar a fundadora da Tecnologia da Informação – afinal, vocês leitores são nerds de quatro costados. Mas, em algum momento, os códigos saíram das mãos de mulheres e homens e se tornaram assunto “masculino”. Como isso aconteceu não importa. Importa é que a TI, principalmente a brasileira, precisa muito das mulheres.

O que está acontecendo agora, na segunda década do século 21, é outro movimento, com raízes muito mais práticas do que pode imaginar a divisão de gênero. A questão é que falta mão de obra. E o mercado perde, por preconceito, metade de sua força produtiva – sim, exatamente as mulheres, conta a coach Patrícia Andrade, que trabalha em São Paulo.

Sim, há uma virada – provocada pela falta de gente qualificada e pela facilidade que as moças têm de estudar e se dedicar a muitas tarefas ao mesmo tempo. Desde o lançamento de Faça Acontecer, da poderosa Sheryl Sandberg (aka Facebook COO) no começo de 2013, o assunto está em destaque tanto dentro como fora da rede. No mundo, como no Brasil, os grupos de conversas, apoio e discussão onde só entram mulheres ganham destaques e suas ações ficam mais visíveis. E as conversas por lá têm, na grande maioria, servido para que elas consigam dar apoio umas às outras e conquistar o mercado de TI.

O movimento, entretanto, é mais antigo do que se imagina. A lista de discussão Systers, fundada pela Dra. Anita Borg, foi criada em 1987 – e funciona até hoje, com milhares de mulheres que trabalham em TI de todo o mundo. Para quem não sabe, a Dra. Anita é tema, inclusive, de uma bolsa do Google – e criou o prêmio Grace Hopper.

Para vocês terem ideia, na lista de 100 mulheres mais poderosas do mundo, feita pela Forbes, 16 são de TI. No Brasil, entretanto, a situação é bem diferente. Entre os executivos de TI, temos apenas Cristina Palmaka, presidente da SAP Brasil, e Carly Florina, que comandou a HP entre 1999 e 2005. Entre as empreendedoras, o destaque é Bel Pesce, que conquistou o mundo com o seu Lemon e contou tudo em “A Menina do Vale”.

Chicks – sim, as moças sabem programar

Mas nem só de estrelas se faz o mundo. Os destaques, na verdade, são resultado das muitas mulheres que integram o ecossistema de produção da TI. A regra geral entre as mulheres que sobrevivem por aqui – e são algumas – é: flexibilidade e firmeza. Elas têm que se provar muito mais que os homens, mesmo com qualificação e profissionalismo, e suportar um ambiente abertamente hostil à sua presença.

Hoje, estão em atividade no Brasil pelo menos seis grupos específicos para mulheres que trabalham com tecnologia: LinuxChixs, RubyGirls, Mulheres na Computação, Mulheres na Tecnologia, RodAda Hacker e Geek Girls Dinners Brazil. Cada um tem algumas centenas de mulheres que conversam entre si, compartilham dificuldades, soluções e conquistas. São esses grupos que atraem mais mulheres, dão apoio nas situações críticas e ajudam a desenvolver mais talentos para o mercado.

O Mulheres na Tecnologia (/MNT) funciona principalmente em Goiânia – e tem uma representante em São Paulo. Aos poucos, o grupo amplia sua atuação, cria programas e ações para criar oportunidades para meninas e moças que têm interesse na área.

Danielle Oliveira, do /MNT (Mulheres na Tecnologia) comenta: “um fator que mostra a discriminação são os salários muito díspares. Na função com maior remuneração, a diferença é 90% no teto salarial masculino em relação ao feminino, enquanto em funções de menor remuneração a diferença se torna um pouco mais igualitária, ficando em média em 6%”.

Ela não inventou os números. Eles estão na PNAD, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, de 2009. Vejam só as diferenças de salários por cargo: analistas de sistemas mulheres, salário inicial de R$ 2.972,54, podendo alcançar até R$ 10.000,00. Para homens: começam com R$ 3.333,29 e podem chegar a 19.000,00.

Danielle sentencia: também falta mulher. E, claro, salário é muito importante, porque todo mundo quer ganhar dinheiro. Além da diferença no contracheque, as que ficam na carreira precisam saber viver num ambiente machista, em que o reconhecimento exige esforço constante e triplicado.

Segundo Danielle, o melhor jeito para reverter o quadro – e conseguir ter mulheres no comando, como já acontece nos Estados Unidos e na Ásia, onde mulheres também são fundadoras e presidentes das empresas de TI – é agir. E a ação que dá resultados tem que começar cedo. Além de precisar vencer a luta “menina é rosa e menino é azul”, é preciso incentivar as meninas a programar e agir nas áreas de “exatas”, tradicionalmente dominadas pelos homens aqui no Brasil.

“As crenças das próprias mulheres as atrapalham”, conta Danielle. Por isso mesmo, o grupo investe em projetos como o Meninas Digitais, que ensina programação no Ensino Médio, e no Programando Preconceitos, que, através de lista de discussão, eventos, site e redes sociais, ajuda a desconstruir a questão e a fazer a mulherada continuar na codificação.

Discriminação global, ações locais

Fora do Brasil, a questão também chama a atenção. Tanto que a ThoughtWorks, fundada em 1993, tem como um de seus princípios fundamentais estimular a diversidade em seus escritórios. Presente em diversos países (Austrália, Inglaterra, África do Sul, Índia, China e Brasil, entre outros), a empresa tem como pilares um negócio sustentável, produzir excelência em software e promover justiça social e econômica.

Conversamos com três mulheres da empresa, que estão no escritório de Porto Alegre: Gabriela Guerra (Analista de Negócios), Desiree Santos (Desenvolvedora) e Juliana Dorneles (Designer). Desiree soltou a frase mais divertida: você precisa ver a cara dos homens quando abro a mochila, tiro a bolsinha de lacinho e de dentro sai o ferro de solda. Porque não basta ser desenvolvedora, também tem que ser apaixonada por robótica!

O jeito de lidar com a discriminação é o que as moças mais sabem: ser muito melhores que os pares homens, ignorar heroicamente os comentários e seguir em frente. Na ThoughtWorks Brasil, entretanto, isso não é necessário.

Por lá, é cultura da empresa respeitar todos. Mais que isso: fazem questão de recrutar mulheres, negros, diversas orientações sexuais, o maior número de “diferenças” possíveis. A ideia, segundo Gabriela Guerra, é contagiar todo o mercado. “Aqui na empresa conseguimos 28% a mais de mulheres nos escritórios em 2013”, conta a analista.

Como? Diante da falta de mão de obra feminina, o jeito é usar o recrutamento ativo: eles buscam os candidatos Brasil afora, focam em currículos de mulheres, lideram o RailsGirls, fazem palestras em escolas… tudo para estimular o mercado a ter mais mulheres. O foco sempre é quem não está na área.

Como o foco não é só dentro, mas o entorno, a TW não deixa barato. Faz questão de colocar mulheres em todas as posições, coloca as moças nas reuniões com clientes e tenta contaminar o mercado da melhor forma possível. Se você gosta dos projetos da empresa e sabe tudo de metodologia ágil, preste atenção nas entrevistas: além do conhecimento, a empresa busca valores, quer saber como você pensa, age, qual o seu background cultural. A razão é simples: “aqui tudo é discutido abertamente – e as piadinhas são muito mal vistas”, conta Gabriela.

E o detalhe: a ThoughtWorks não está sendo boazinha. Ela acredita no experimento social que pratica. A ideia é que a empresa tem que ser tão diversa como o mundo. “Para pensar fora da caixa, ter ideias novas e uma cultura de respeito, é preciso começar em casa”, conta Juliana.

São três os pilares da TW: excelência, ser e manter o negócio sustentável e buscar justiça social e econômica. “Por isso, aqui a gente pensa o mundo sempre do ponto de vista do mais fraco”, conta Gabriela. E se discute tudo: gênero, homofobia, qualidade de software e pessoas…

Lá dentro, também há um grupo para discussão de assuntos de tecnologias, o TW-Woman, do qual os homens também participam. Os assuntos? Mulheres e tecnologia, desenvolvimento de líderes, aumento da licença paternidade. A empresa tem até um programa para ajudar os mais sêniores a crescer na carreira, que acontece duas vezes por mês.

Além disso, uma vez por ano, eles reúnem os funcionários de todo o Brasil num hotel, onde eles falam de diversos temas, escolhidos pela própria comunidade da empresa. Para evitar que as mesmas pessoas “de sempre” (sim, lá também existem favoritos) fossem escolhidos, em 2013 publicaram-se só os temas. A surpresa: 40% das palestras foram feitas por mulheres.

Para Desiree, organizadora de robótica do TDC (The Developers Conference, Brasil), o mais bacana é ter quatro horas semanais disponíveis para projetos. É assim que elas conseguem organizar o RailsGirls, criar projetos e inovar. “Claro que a gente também usa tempo extra e horas de almoço”, contam as três.

Segundo Mario Areias, colega de trabalho das três, a TW é puro aprendizado. “Os homens não fazem ideia da dimensão das piadinhas para as mulheres. Aqui aprendi muita coisa sobre a questão”, conta. “A cultura corporativa e seu jeito de lidar com as situações não é saudável. A gente aprende junto e começa a usar fora da empresa”, diz. E completa: “a gente não deveria ganhar prêmio por isso (eles ganham), só estamos fazendo a coisa certa. Esse deveria ser o padrão no mercado”.

Resumo da ópera

As mulheres estão aí programando, sim. Se ainda não são 50% das rodas e grupos, como são da população, a responsabilidade é dos próprios grupos – e de todos nós. Está na hora de acabar com o clichê de menina brincando com boneca, toda de rosa, e deixar os talentos brotarem. Se a gente parar de olhar para o físico e prestar atenção no conteúdo, a contribuição da mulherada já está na roda. Há muito tempo.

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Artigo de autoria de Lucia Freitas, para a Revista iMasters de fevereiro.