Data

16 fev, 2017

Como cidadãos empoderados podem conversar com deputados?

Publicidade

Nós, da Operação Serenata de Amor, somos muito cuidadosos com o nosso projeto. Entendemos que ele pode incomodar alguns parlamentares, mas estamos exercendo nosso papel de cidadãos e respeitando ao máximo nossos políticos. Assumimos a inocência de todos e não divulgamos nenhum nome de parlamentar até que nossas suspeitas virem denúncias, e até que tenhamos respostas oficiais a essas denúncias.

Na prática, isso funciona assim:

Foi o que aconteceu com o Deputado Fábio Mitidieri. Infelizmente, ao contrário de outras tantas denúncias, a resposta que obtivemos dele não foi um pedido de desculpas e a devolução do dinheiro. A resposta que ele nos ofereceu apresentou argumentos que vamos questionar nesse texto  – não só pelo caso específico, mas principalmente pois muitos outros parlamentares estão nos dando respostas semelhantes.

Vamos compartilhar aqui essa situação para que fique mais fácil para vocês que acompanham o projeto entenderem os próximos desafios da Operação Serenata de Amor.

A suspeita

A Rosie nos disse que essa refeição era suspeita: R$ 217,47 no Da Noi, em Brasília. Para ela, esse valor é suspeito pois é muito mais alto do que a média de outras refeições que os deputados fizeram nesse mesmo estabelecimento (para quem gosta de estatística, o preço da refeição do deputado foi maior que a média acrescida de 3 vezes o desvio padrão).

A pesquisa

Fizemos nossa pesquisa para confirmar se a Rosie estava certa. E, sim, estava. O Da Noi tem um site, com cardápio e preços online:


Fonte: http://www.duducamargo.com.br/restaurante/danoi.html

Os pratos mais caros custam pouco mais que R$ 50. O deputado teria que ter almoçado quatro pratos para justificar uma conta que ultrapassa R$ 200. Não podemos confirmar se foi esse o caso, pois a nota fiscal diz apenas despesa com refeição:

Fonte: http://www.camara.gov.br/cota-parlamentar/documentos/publ/3001/2015/5622917.pdf

Além disso, usuários dizem que uma salada com frango custou R$ 20, no mesmo restaurante, dois anos antes. No blog do chef do restaurante vimos que em eventos especiais, já em 2015, o preço era R$ 75 por pessoa. Mesmo sem ter detalhes do que foi consumido nessa refeição, podemos dizer que Rosie estava certa: esse reembolso parece mesmo suspeito.

A denúcia

Escrevemos à Câmara pedindo esclarecimentos sobre esse reembolso. Linkamos o site do restaurante (no qual consta o cardápio com preços). O prato mais barato seria uma massa de R$ 23,30. Os mais caros, salmão ou filé de pescada, custando R$ 51,20 cada. Acrescentando uma bebida, talvez uma entrada ou uma sobremesa, dissemos à Câmara que o gasto médio deveria estar em torno de R$ 80 — montante muito distante do valor apresentado na nota fiscal em questão.

A resposta

A chefe de gabinete do deputado declarou que nada disso é válido. Segundo ela não é possível calcular um valor médio para o restaurante em questão, pois ele funciona com menu à la carte. Explica ela que “o preço cobrado é pelo valor de cada prato ou produto solicitado, de modo que não há um valor médio observado por pessoa”. Com esse argumento o deputado se negou a devolver o dinheiro, mesmo que segundo a nossa lógica esse montante não seja compatível com o valor de uma refeição naquele estabelecimento.

Fonte: Resposta oficial do deputado, via Câmara Federal, Processo nº 100.548/2017, folha 8 (grifo nosso)

A hipotética réplica

Aparentemente, houve um equívoco por parte do deputado e sua equipe justamente sobre o entendimento do que é uma média. Matematicamente falando, média é um conceito empregado exatamente para descrever como é a distribuição de valores diferentes entre si – nas palavras da Wikipédia, a média é “o valor que mostra para onde se concentram os dados de uma distribuição”. Ou seja, se temos vários preços diferentes, como por exemplo em um cardápio de um restaurante à la carte, a média deles descreve um pouco de quão caro ou barato é esse restaurante.

No caso do Da Noi, o cardápio apresenta 14 pratos na parte de Carnes, Aves & Peixes (os mais caros da casa). Os preços desses 14 pratos variam entre R$ 35,30 e R$ 51,20. Somando todos os preços deles e dividindo pelo total de pratos, temos a média dos preços dos pratos: R$ 45,94. Fazendo o mesmo com bebidas (são 10 não-alcoólicas, variando entre R$ 4 e R$ 27), temos a média do preço de bebidas: R$ 8,71.

Portanto, é possível obter uma média de preços por pessoa em restaurantes à la carte. As médias de um prato e uma bebida, somadas, totalizam R$ 55 – quase quatro vezes menos do que o deputado alega ter consumido em sua refeição.

Fonte: http://www.duducamargo.com.br/restaurante/danoi.html

Caso ele tivesse comido o prato mais caro, e tomado a bebida mais cara (uma jarra de suco), acrescidos os 10%, ele teria gasto R$ 86 – em outras palavras, o valor pelo qual ele foi reembolsado é 2,5 vezes maior do que isso.

Outra forma de obter uma média de gastos no Da Noi é olhando para a própria Cota que estamos investigando: existem 1223 reembolsos feitos a deputados que fizeram refeições nesse estabelecimento. O mais baixo desses é no valor de R$ 2,50 — possivelmente um café ou uma água. Filtrando apenas os gastos maiores que R$ 25 (valor próximo ao prato mais barato da casa), temos 830 reembolsos. A média entre eles é R$ 59,14 — quase 4 vezes menos do que o gasto do deputado em questão.

Sendo assim, apesar da resposta oficial, continuamos desconfiando desse reembolso.

Infelizmente o caso do deputado Fábio Mitidieri não é o único. Muitas respostas com esse tom estão chegando na nossa caixa postal. Nosso ponto não é responder diretamente ao deputado – por isso intitulamos o trecho anterior de réplica hipotética.

O ponto aqui é outro: talvez alguns políticos não tenham percebidos a verdadeira força que os cidadãos têm com ferramentas para lidar com o grande volume de dados que a Lei de Acesso à Informação tornou público. A Serenata de Amor é um movimento nesse sentido. Sabemos responder ao deputado Fábio Mitidieri com dados que essa lei nos oferece. Sabemos responder a esses argumentos também com dados disponíveis pública e legalmente na internet.

Nosso próximo passo é descobrir a qual instância recorrer quando os próprios deputados negam os números, os dados públicos e a matemática. Além disso você pode fazer com que a Operação Serenata de Amor continue à todo vapor. Continue seguindo a gente!

***

Artigo originalmente publicado na Data Science Brigade.

***

Texto também disponível no blog pessoal do autor.