Marketing Digital

23 mai, 2016

Um case emblemático de content marketing no Brasil: o Comunique-se

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Um dos melhores exemplos de content marketing que conheci no Brasil foi o Comunique-se, empresa focada em soluções para o mercado de comunicação.

Nos últimos seis anos, tive diversas participações em eventos de content marketing nos Estados Unidos, devorei dezenas de livros estrangeiros, li uma tonelada de artigos, ouvi horas de podcasts e webinars, entrevistei uma penca de experts gringos e brasileiros. Bateu então aquela sensação de que o excesso de informação mais atrapalha do que ajuda. Surge uma pergunta objetiva, você pensa em três opções de respostas e acaba não dizendo nada assertivo.

Era necessário me curar disso. Saí da rotina da Tracto por alguns dias para reorganizar o conhecimento. Isso foi há dois anos. Eu precisava definir para mim mesmo, de forma breve e convicta, o perfil ideal de uma marca que adote content marketing. E daí criei esta espécie de manifesto:

“Quem pratica content marketing se enxerga como uma empresa de mídia. Busca formar um público segmentado, fiel e perene. Para isso, produz conteúdo continuamente, seguindo uma linha editorial claramente definida. Os objetivos do conteúdo estão alinhados aos objetivos globais da instituição. Os resultados dos esforços de conteúdo são mensurados quantitativa e qualitativamente — e reportados com regularidade”.

Não se trata da redefinição de content marketing. O manifesto apenas me ajuda a mentalizar um modelo ideal, quase utópico. É para esse modelo que busco conduzir as empresas para as quais presto consultoria. Ele também me serve de baliza para avaliar os candidatos do Content Marketing Awards — principal prêmio da categoria no mundo, do qual tenho o privilégio de ser o único sul-americano a atuar como jurado.

Alguns dias atrás, quando escrevia um capítulo do meu novo livro, fiquei tentando me lembrar de alguma empresa que preenchesse todos os requisitos do manifesto. Ponderei que os exemplos mais conhecidos — como Red Bull, Lego, Marriott, Coca-Cola, Itaú — já estão para lá de batidos. Queria algo mais palpável para a realidade das pequenas e médias empresas brasileiras. Reli pela milésima vez o manifesto e, então, veio um estalo: “putz, é o Comunique-se! Como não pensei nisso antes?”.

Como consultor, já atendi empresas grandes e pequenas. Isso me rendeu experiência e frutos dos quais me orgulho, como o prêmio de profissional do ano pelo Digitalks em 2015 e a condição de palestrante do Content Marketing World, em setembro, em Cleveland, em que apresentarei um case nosso, de uma multinacional americana na América do Sul. No entanto, devo confidenciar que essas conquistas não aliviam uma angústia. Ainda não consegui fazer um cliente atingir o clímax. Sempre há avanços, é claro, mas nenhum por enquanto incorporou o content marketing como um elemento de sua cultura. Isso seria o clímax. Como se sabe, mudar cultura leva tempo.

É nesse ponto que o Comunique-se tem larga vantagem: já nasceu no clímax, quando foi concebido nos idos de 2001. Talvez eu devesse ter conversado com um de seus colaboradores antes de escrever este artigo, mas preferi confiar na memória de quem esteve lá como diretor por mais de sete anos. Vejamos, a seguir, se todos os requisitos do manifesto estão realmente preenchidos.

Empresa de mídia

Pergunte ao gestor de uma marca que produza conteúdo qual a atividade de sua empresa. Ele responderá que é um serviço A ou um produto B num mercado X. Experimente, então, fazer a mesma pergunta ao Rodrigo Azevedo, idealizador e CEO do Comunique-se. Ele dirá que é um portal. Bingo! O Comunique-se que conheci — e possivelmente ainda é o mesmo — não achava que era uma empresa de mídia. Ele tinha certeza disso. Em mais de uma ocasião, testemunhei alguém sugerindo a compra de publicidade em site, jornal, revista, rádio ou TV. A resposta era sempre a mesma: “Ora, por que comprar mídia dos outros se somos mídia também?”.

A rigor, o Comunique-se é uma empresa de tecnologia e serviços. Mas isso pouco importa. A única diferença entre uma empresa de mídia (que vende publicidade) e uma adepta do content marketing (que vende qualquer outra coisa) é a forma como o dinheiro entra. Em seu livro mais recente, intitulado Content Inc., Joe Pulizzi, maior autoridade no tema em âmbito mundial, cita pequenos empreendedores (músico, gamer, fã de Star Wars etc.) que tiveram sucesso porque formaram público fiel. Não estranha que todos carreguem consigo a mesma convicção: ‘eu sou uma mídia’.

Público

Dez anos atrás, via o Rodrigo se orgulhar de ter formado uma comunidade de jornalistas e profissionais de comunicação ao redor do Comunique-se. Hoje, eu diria que o que ele formou não foi bem uma comunidade, que, para mim, remete a plataformas sociais. O que ele formou foi um público fiel, que pressupõe posicionamento e liderança da marca sobre a audiência.

Seja lá qual for a denominação, o importante é que havia internamente uma certeza: a comunidadeera um ativo. Daí a importância de fomentá-la. E como se faz isso? Com conteúdo. A redação do portal logo ganhou o status de unidade de negócio, algo que não vi em nenhum outro lugar. Foi uma forma de colocar os produtores de conteúdo na engrenagem com uma função clara: cuidar bem daquele ativo.

Linha editorial

Com certa frequência, havia quebra-pau por causa da qualidade do conteúdo. Confesso que quase sempre eu estava no meio do bate-boca — e não raramente era o causador dele. A temperatura subia ainda mais quando os indicadores da área estavam abaixo da meta. No fundo, o objetivo era um só: encontrar a linha editorial mais aderente ao público.

Fico intrigado com a maioria dos redatores atuais. São excessivamente impassíveis — pelo menos é essa a sensação que tenho em grande parte das empresas que atendo ou visito. Isso está errado e precisa mudar. Produtores de conteúdo não podem viver na zona de conforto, alimentando quase burocraticamente os canais de comunicação. Essa postura tira o sentido da própria existência do conteúdo e de todo o investimento feito nele. No ano passado, o americano Jay Baer, autor dos best-sellers Youtility e Hug Yout Haters, se mostrou incomodado com esse marasmo e provocou suas plateias com a seguinte indagação:

“Você está fazendo conteúdo ou está fazendo a diferença?”

Discutir o conteúdo intensamente — e isso inclui quebrar o pau de vez em quando — denota a busca por fazer a diferença.

Objetivos globais

Todo esse esforço pelo conteúdo no Comunique-se era (ou é) feito a troco de quê? Simples: de vender assinaturas de software e outros serviços. É disso que a empresa vive. Sem umacomunidade viva, o Comunique-se seria apenas mais uma empresa de TI batendo de porta em porta. Talvez até usasse uma ferramenta de automação de marketing e conquistasse um punhado de clientes com ela, mas ficaria só nisso.

De uma maneira geral, os gestores não sacaram que eles não precisam de um cadastro novo no funil da automação hoje para soltar os cães famintos do comercial amanhã. Eles precisam de seguidores para a vida toda, que, cedo ou tarde, acabam se tornando clientes. E depois compram de novo. E recomendam. E facilitam a vida dos vendedores. É isso que chamo de público fiel (ou comunidade, sei lá).

Resultados

Lá atrás, em 2006, eu era diretor de conteúdo do Comunique-se. Tive ao lado do André Rosa a desafiadora missão de criar indicadores de desempenho para o conteúdo. Já tínhamos uma boa experiência nos programas internos de gestão, pois havia outra área — a de cursos — sob o nosso guarda-chuva, muito mais fácil de ser mensurada por ser geradora de receita.

O exercício de mensalmente apresentar para toda a empresa os resultados de audiência e, mais do que isso, dar sentido a eles, foi uma experiência preciosa para mim — e foi também a semente do interesse por mensuração de resultados, hoje uma das nossas especialidades na Tracto. A principal descoberta foi que a avaliação do conteúdo nunca é só quantitativa ou só qualitativa, mas uma mescla dos dois. Esse aprendizado perdurou tanto que acabou vindo parar no manifesto.

O fato de ter 15 anos de janela está longe de colocar o Comunique-se na condição de pioneiro. Content marketing é um método que nasceu de forma intuitiva, sabe-se lá onde e quando. Basta observar os ancestrais. Em 1895, a John Deere criou a revista The Furrow Magazine, ainda hoje em circulação. Em 1932, a Procter & Gamble lançou um programa de radionovelas com o nome de “soap opera” (ópera do sabonete, em português). O sucesso foi tão grande que até hoje as novelas têm esse nome em inglês. Em 1987, a Lego lançou a revista Brick Kicks. Isto para mencionar apenas três anciões.

Tomando e aprendendo

Hoje há mais gente fazendo content marketing do que antes. Ao mesmo tempo, há muito medo de arriscar e errar. Acho que sei o porquê. Se por um lado os guias definitivos, as listas de 10 dicas e os posts que ensinam como fazer isto ou aquilo deixam o mercado mais bem servido de informação, por outro conduzem as empresas a usar fórmulas: blog, redes sociais e e-books cheios de guias definitivos, listas e posts ensinando como fazer. Elas, então, contratam a troco de banana os freelancers, cujos conteúdos insossos abastecem o funil de vendas, que gera cadastros, que são chamados de leads, que logo são atacados pelos vendedores. Alguns desses leads se tornam clientes, é verdade, mas todos os outros ficam vacinados contra a pegadinha. A relação acaba antes de começar. Chega a ser o oposto de formar público fiel.

É mais ou menos como foi um dia o mercado de call center. No início, as poucas empresas que utilizavam a técnica colhiam resultados animadores. Depois, com todo o mundo agindo igual, a técnica em si se tornou pouquíssimo eficiente. Não por acaso, nos Estados Unidos já há a percepção de que content e inbound marketing começam a entrar em declínio. No Brasil, não será diferente. É só uma questão de tempo.

Vendo as nuvens negras se formando no horizonte, quem experimentou reveses está naturalmente mais propenso a se destacar ou mesmo sobreviver. Sou testemunha de incontáveis derrapadas do Comunique-se. Durante sete anos, algumas das minhas ideias mais estúpidas foram responsáveis por boa parte das mancadas. Faz parte do jogo. O lado bom é que os tropeços trouxeram muito aprendizado e acertos posteriores. Talvez por isso o portal seja um case tão emblemático.

Errar pode ser um passo para trás ou para a frente — é você quem escolhe. No Content Marketing World de 2013, Jonathan Mildenhall, então diretor global de marketing da Coca-Cola e hoje CMO do AirBNB, contou como costuma liderar suas equipes:

“Celebramos mais os nossos fracassos do que os nossos acertos.”

Prefiro pensar que o sucesso é ir de fracasso em fracasso sem perder o entusiasmo. Que disse isso foi um outro errante. Um tal de Winston Churchill.