Marketing Digital

20 jan, 2015

Meu direito de escolha: tecnologia e liberdade

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Eu compro música na web. E livros. E revistas. Tenho assinatura de jornais online. Às vezes, tenho que me beliscar: nem acredito que tudo isso está acontecendo, que o tal ‘admirável mundo novo’ chegou e está na palma das mãos, bem na minha frente. Liberdade é assim: traz uma sensação de vento no rosto, de que você pode tudo. E pode.

Mas liberdade casa com escolha. Desde que nasci, ouço que experimentar é um direito, que faz parte do ‘estar vivo’. É o exercício constante de dar uma olhadinha ali, uma petiscada lá, uma checada acolá. Liberdade é poder ficar em dúvida, experimentar e escolher. Ou não.

Mas alguns discordam. Esse incômodo existe há tempos. Uma empresa desenvolve um conteúdo digital e, como parte de uma estratégia quase centenária de marketing, oferece um período de trial em que o (futuro) comprador pode decidir se realmente quer adquirir o produto/serviço. Ou então em outra ação bastante comum, é possível ouvir um trecho de uma música ou ler um trecho de um livro. Gostou? Talvez você compre. Os mais ousados oferecem parte do conteúdo gratuito, torcendo para que sirva como isca para você pagar o pacote full. E é dessas supostas ‘ações estratégicas’ que vem a gritaria.

O que poderia ser parte do jogo – eu posso ficar só no petisco e nunca pedir o prato principal – termina em revolta e análise sociológica rasteira. Pelo discurso dos descontentes, quem faz parte ‘desta geração que está aí’ fica só mordiscando o queijo na ratoeira e nunca o abocanha. Mas, afinal, não seria responsabilidade sua fazer com que ele desse o próximo passo?

Quem viveu a realidade pré-internet sabe que revoltante, mesmo, era a sensação de estarmos sendo feitos literalmente de otários quando os conteúdos não podiam ser experimentados ou comprados em ‘partes’. Basta ter mais de 25 anos para saber que era um saco, nos anos 70, 80, 90, ser obrigado a comprar um LP, um K7 ou um CD ‘inteiros’, por mais que você só estivesse interessado em três, quatro músicas das dez que vinham no disco.

No início dos anos 80, por exemplo, pedir para dar uma ‘ouvidinha’ em um álbum de uma ‘loja de discos’ funcionava exatamente como um presidiário recebendo visitas: o tempo era curto e a vigilância, ferrenha. Nas livrarias, os vendedores ‘perseguiam’ adolescentes que queriam – olha que cara de pau! – folhear por muito tempo os… livros! Table books importados e embalados em plástico? Que você deixasse de ser folgado e tivesse dinheiro para levar para casa. Abrir, nunca. Idem para as revistas estrangeiras.

No ‘meu tempo’ não era melhor, não, em especial sob esse ponto de vista. A indústria cultural não apenas decidia o que chegaria até você (independentes? Esqueça), mas também como você poderia consumir: completo, fechado, sem couvert. Mas o que hoje pode ser visto como o cúmulo do ‘capitalismo selvagem’, nem unanimidade era. Entre amigos, se o assunto entrasse na roda, você escutava uma risadinha irônica acompanhada do comentário ‘queria o quê? Comprar a música que quisesse? Sentar em um sofá dentro de uma livraria e passar a tarde lendo?’

Queria, sim – tanto queria, que tive. E não por esforço pessoal, mas o de um bando de empreendedores que surgiram na virada para este século e perceberam, em especial na Internet, que era preciso por uma pá de cal nessa visão velha, moribunda, e que estava prestes a arrastar a indústria cultural para o fundo do poço. Empreendedorismo com senso de sobrevivência: uma fórmula infalível que muda tudo, sempre.

Por isso, quando ouço que a geração que está aí é ‘superficial’ porque não lê um texto até o fim, assiste a apenas alguns segundos de um vídeo de uma música nova no YouTube ou fica na assinatura gratuita de um Deezer a vida inteira, não acho que é porque ela é menos inteligente, pão-dura, ‘esperta’ ou superficial. É porque ela exerce a liberdade que o mercado foi obrigado a dar para sobreviver. E isso incomoda muito o redator que passou horas escrevendo um texto, a produtora que gastou rios de dinheiro produzindo um vídeo, o site de música que hoje precisa aceitar que boa parte do público jamais pagará para ouvir a maioria de suas canções preferidas.

Tudo é uma questão de sobrevivência – só que agora a bola agora passou da mão dos ‘grandes’ para o colo dos que produzem os conteúdos. Se uma matéria está chata, eu não leio, vou para outra. Faça-se interessante que assim vão lê-lo, escutá-lo, ouvir sua música, abrir a carteira.

Seja mais competente, simples assim. Eu disse ‘mais’, porque hoje a realidade pede que você ‘vá além’ (aquele clichê que adoramos falar, sempre para os outros), e ainda assim tendo consciência de que o público consome de outra forma – mais livre. Ele dá uma olhadinha ali, uma petiscada lá, uma checada acolá, exatamente como eu escrevi no início do texto.

Pare e pense: se o incômodo é tão grande, será que não foi você que ficou para trás?

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Artigo publicado na Revista iMasters. Você pode assinar a Revista e receber as edições impressas em casa, saiba mais.