Carreira Dev

11 set, 2014

Procura-se empresas com Selo de Ética

Publicidade

Um tempo atrás, publiquei aqui no iMasters um artigo com o seguinte título: “Procura-se profissionais com Certificação em Ética 2.0”. Na época, ele gerou diversos comentários e compartilhamentos de experiências pessoais, tanto dos leitores quanto de colegas e clientes com quem mantenho contato, a respeito da perda de valores básicos na educação familiar e escolar, e como isso conseguia comprometer os pilares que sustentam os conceitos de segurança da informação em qualquer organização.

Em resumo, o artigo, carregado de sarcasmo, iniciava com uma suposta oferta de vaga de emprego que, entre outros requisitos, solicitava como diferencial um profissional que tivesse Certificação em Ética Fundamental – CEF 2.0 – e conhecimentos em Técnicas de Honestidade Corporativa versão 1 – THCv1 -, além de experiência prática comprovada em aplicações de Humildade Comportamental – HC Practice. Obviamente tais certificações ou requisitos não existem na prática, mas com esse apelo irônico procurei deixar a mensagem de que os profissionais que estão entrando no mercado de trabalho, especialmente os que estão envolvidos com as áreas de tecnologia, não devem se preocupar apenas com a busca de uma certificação, um papel com um título de conhecimento e capacitação técnica, mas devem se preocupar com princípios e valores básicos que servirão para torná-lo não somente um bom profissional, mas uma boa pessoa, em qualquer ambiente, na vida profissional e pessoal.

Entre alguns comentários e sugestões, surgiu a ideia de mostrar o outro lado dessa moeda, quando profissionais éticos procuram empresas com os mesmos valores ou pelo menos com alguns princípios básicos implantados em sua gestão, como respeito aos colaboradores e clientes, respeito às leis e normas vigentes e envolvidas com questões como sustentabilidade, não somente ambiental, mas econômica e social. E é aí que encontro um grande desafio: como tratar desse assunto em uma época em que a crise de valores está pulverizada em todas as camadas da sociedade, na parte mais rica como também na mais pobre, nos diversos setores que a compõem, seja nas empresas, nas repartições públicas, na educação e até dentro do ambiente familiar? Mais do que isso, como sobreviver dentro de organizações nas quais o que impera é a busca incessante pelo lucro, pressionando seus colaboradores por resultados e incentivando-os a agirem muitas vezes de forma inescrupulosa com seus clientes, sem se preocupar com as consequências dessas ações?

Bem, para começar a explorar o artigo, eu gostaria de definir uma visão de ética que entendo ser importante para não confundir os leitores: não acredito que possa existir empresa ética! Mas, como assim, se vemos tanta propaganda de empresas se autoproclamando éticas, com missões e valores que beneficiam a todos, clientes colaboradores, meio ambiente e sociedade? Podemos ter discordância em alguns pontos devido ao uso banalizado do termo, mas, buscando em sua origem, ética é algo que só pode ser atribuído ao ser humano (pessoa física), e não à uma organização ou instituição (pessoa jurídica).

Os primeiros filósofos gregos conceituavam a ética (ethos) como o modo de ser de uma pessoa, aspecto que define o seu caráter, a morada do ser humano. Embora hoje existam entidades como o nacional Instituto Ethos ou a internacional Ethisphere Institute, que promovem e reconhecem organizações que cumprem critérios de responsabilidade social, ambiental, trabalhista e econômica, atestando um tipo de selo de qualidade por assim dizer, ainda assim essas empresas podem rapidamente mudar de posição, assumindo novas posturas de acordo com o perfil de seus atuais administradores e colaboradores, valendo-se da situação do momento. Pior que isso, uma entidade ou órgão governamental que certifica tais empresas com o selo de ética pode, pelos mais diversos e inexplicáveis motivos, reconhecer tal organização como sendo uma empresa que atende aos critérios, mesmo estando um pouco distante disso na prática. Exemplo recente é o caso da Siemens, que mesmo envolvida no cartel do metrô de SP e DF, em que é acusada de desviar milhões de reais dos cofres públicos, permanece com o Selo de Ética, nesse caso creditado pelo Comitê Gestor do Cadastro Pró-Ética, da Controladoria-Geral da União (CGU). Porém, é importante reconhecermos um detalhe no caso da Siemens: foi a própria corporação, através de seus gestores europeus, que denunciou o esquema, partindo de um processo de limpeza iniciado lá e que está procurando remover de suas dependências profissionais sem o comprometimento ético esperado pela atual administração.

O que pode existir de verdade são empresas compostas de forma majoritária por profissionais éticos, especialmente quando estes estão presentes em cargos e funções com poder de decisão na organização. É natural que os colaboradores sejam influenciados pelos seus líderes e estes, por sua vez, se tornem multiplicadores das boas práticas. Nesse tipo de ambiente, é viável chegar a um padrão de ética praticável e perceptivo. Fazendo um paralelo com o mercado de certificações para profissionais de TI, no qual se vende a falsa ideia de que quanto maior o número títulos, melhor é o profissional, assim também ocorre com as empresas, quando um selo se torna autoridade, mais do que a verdade. A idoneidade de uma empresa no mercado não pode ser medida apenas por um documento, mas pelo conjunto de ações praticadas ao longo de um determinado tempo.

Para tentar frear a onda de corrupção que toma conta do setor privado, ainda mais quando este se envolve com o setor público, foi sancionada em 1º de agosto de 2013 a Lei 12.846/13, mais conhecida como a Lei Anticorrupção, que responsabiliza na esfera civil e administrativa a Pessoa Jurídica, sem necessidade de provar se os proprietários ou diretores estavam ou não cientes dos atos fraudulentos que possam ser cometidos, por exemplo, por um de seus subordinados. O processo poderá atingir tanto a Pessoa Jurídica quanto as pessoas diretamente envolvidas na atividade criminosa. Porém, nem tudo são flores, pois desde que entrou em vigor, em janeiro de 2014, a lei ainda aguarda regulamentações para definir questões como a avaliação dos Programas de Compliance das organizações, que podem atenuar as penas em casos em que funcionários sejam acusados de algo ilícito. E talvez esteja aí a maior contribuição da lei, o incentivo para criação de um Código de Ética e Conduta, de um processo de Auditoria e de um Canal de Denúncias, ferramentas estas que se devidamente adotadas e divulgadas podem reduzir os elevados índices de fraudes e corrupção e auxiliar na mudança de comportamento, pois o “Jeitinho Brasileiro” ainda está impregnado na cultura do País.

Mas independentemente de leis ou regulamentações, o que se espera de qualquer ambiente de trabalho é o respeito entre as pessoas, não importando sua função ou posição dentro da hierarquia, além de condições que não coloquem os colaboradores sérios em dilemas, como enganar ou não um cliente ou colega de serviço para obter um ganho para a empresa ou aproveitar-se de uma situação para se promover na carreira, mesmo que seja necessário submeter outros a condições humilhantes.

Dois casos recentes ilustram bem a minha afirmação inicial de que uma empresa não possui condições de ser considerada ética, pois ela é composta por pessoas com diferentes perfis e com formação de caráter bem distintos. E quanto maior a organização, maior é a mistura de bons e maus profissionais convivendo juntos, muitas vezes com os mesmos objetivos, mas trilhando caminhos diferentes. São casos públicos, amplamente divulgados, sendo um deles já julgado em tribunal.

O primeiro exemplo que usarei para mostrar que nem sempre uma grande empresa proporcionará grandes realizações aos seus colaboradores é o caso do designer americano Jordan Price, que passou parte da vida sonhando em trabalhar na Apple e conseguiu, mas logo viu sua vida se tornar um pesadelo (que muitos leitores conhecem bem). Toda sua história está descrita em uma carta publicada em sua página e pode ser conferida aqui. Resumindo para os leitores: após passar vários anos trabalhando para pequenas empresas, Jordan foi selecionado para uma entrevista e contratado para ser Designer for Mobile na sede da Apple em Cupertino, Califórnia. Porém, toda a empolgação natural de alguém que entra numa empresa conceituada como a Apple foi rapidamente dissipada, pois na Maçã havia alguns vermes, não no sentido pejorativo, mas verme no sentido de algo que, se não tratado, poderá apodrecer por dentro, mesmo que por fora preserve sua aparência. Nesse caso, o “verme” era um dos coordenadores de equipe, chefe direto de Jordan Price. Segundo o designer, seu chefe possuía o hábito de insultar as pessoas ao redor, como forma de pressioná-las no cumprimento de suas tarefas. Descrita em forma de carta, a história chega ao fim concluindo que, apesar de toda a infraestrutura para acomodar os colaboradores, excepcionais recursos tecnológicos e o título de ser um “Funcionário da Apple”, o desgaste gerado pelo longo e demorado trajeto de casa para o trabalho, a inflexibilidade de horário que o privava da companhia de sua filha e família, e principalmente o mau estar de conviver com pessoas sem o menor senso de respeito e ética entre seus pares, o obrigou a tomar a difícil decisão: abandonar a carreira numa das maiores empresas de tecnologia do mundo. É óbvio que isso causará impactos para o resto de sua vida profissional, mas tenho certeza de que sua vida pessoal retribuirá sua escolha.

Outra ilustração que quero compartilhar com os leitores, que ocorreu aqui no Brasil e ganhou bastante repercussão, foi o caso do julgamento do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), que determinou que a empresa Vivo pagasse uma indenização no valor de R$ 50 mil a uma funcionária de uma de suas lojas que se recusou a mentir. O caso, que teve o reforço de duas testemunhas (um cliente e um funcionário que presenciaram a cena), informou que a atendente foi hostilizada pelo seu supervisor e por outros colegas que trabalhavam na loja quando ela acabou vendendo um modelo de plano que até então não deveria ser vendido, informando os clientes, por meio de uma mentira, de que o plano não estava disponível no momento por problemas no sistema, direcionando assim a venda de outros pacotes. A pressão sofrida pela atendente gerou ansiedade e estresse que acabaram afastando-a de suas atividades e, consequentemente, levando à sua demissão. No julgamento, o juiz Marcos Fagundes Salomão explica que “… a reclamante, exatamente por seu proceder diligente e honesto, sofreu assédio moral direto de seus colegas, que, em certa medida, a achacavam dias depois do ocorrido, tudo sob a complacência patronal. Emerge da prova produzida, portanto, uma absurda inversão de valores, sendo a trabalhadora vítima da permissividade empresarial ao ataque de seus colegas que a impingiam descabida pressão por seu gesto”. Processo: 0000689-35.2011.5.04.0030.

As duas situações, assim como inúmeras outras de conhecimento, nos mostram que dificilmente encontraremos empresas completamente alicerçadas em princípios éticos e morais, pois quem sustenta a empresa e os seus pilares são as pessoas, seus colaboradores e, não raramente, estaremos ao lado de pilares que não estão devidamente fundados nos mesmos princípios e valores em que acreditamos. Nosso papel é tentar influenciá-las positivamente a se firmarem em algo que dê a sustentação para sua vida e consequentemente para a empresa.

Infelizmente, conhecendo como é a prática de algumas empresas e de determinados seguimentos, não é surpresa descobrir que alguns “selos de qualidade” ou “premiações de mercado” não passam de falsos méritos enquadrados numa bonita moldura. Por um tempo eu associava, assim como o designer Jordan Price, que sucesso era fazer parte de uma grande corporação ou de uma famosa consultoria, deslumbrava poder um dia fazer parte de algo assim, mas com o passar dos anos e principalmente com a convivência e troca de experiências com vários profissionais que atuaram em empresas conceituadas é que descobri que sucesso é poder acordar de manhã, exercer alguma atividade que possa trazer benefícios para minha vida, minha família e pessoas em minha volta, sem o peso de imaginar que alguém tenha sido prejudicado ao longo do dia por isso.