Games

28 jul, 2016

Mecânica de jogos – Parte 02

Publicidade

Dando continuidade para a série em que falo de mecânica de jogos, hoje tratarei de um tópico especial: os jogos (em tese) infinitos. O objetivo deste artigo é responder a seguinte questão: “Como gerar um jogo divertido explorando a possibilidade dele nunca acabar?”. Mas ao responder a esta pergunta, acabo trazendo contribuições para melhor compreender a mecânica dos jogos em geral, também.

Quando um jogo acaba?

O fim de algo pode ser encarado de duas formas:

  • o ponto limite, em que esse algo acaba;
  • o destino ou objetivo, seu propósito.

Por isso, dizer que um jogo tem fim pode expressar tanto “Esse jogo uma hora acaba”, quanto “Esse jogo faz sentido”. Sendo assim, qual o ponto de criar um jogo sem fim? Ele não perderia o propósito de ser? Não seria como um mapa do tesouro onde não tem o “X” indicando onde cavar?

Para o game designer, o jogo acaba quando não há mais roteiro ou conteúdo para explorar porque toda a experiência foi usufruída. Para o jogador, o jogo acaba quando seu tempo investido nele se mostra mais valioso que a diversão que você pode ter em pay-off. Em outras palavras: “Parei de jogar porque fiquei enjoado”.

Os jogos antigos (entre 1980-1990) eram quase todos infinitos. Um exemplo é o Tetris, que apenas ficava mais e mais difícil até você perder. Por isso os rankings eram tão importantes: mediam o quão longe você foi (numa estrada em que ninguém alcançava a borda). Até mesmo os jogos finitos costumavam ter finais dificílimos de serem atingidos, como River Raid (1982). E, para quem duvidou, eis aí o final do jogo:

É fato bem conhecido que os jogos, em sua maioria, foram ficando mais fáceis. Cheios de “interfaces amigáveis”, tutoriais-mãe, save points e todo tipo de manha para deixar jogadores menos frustrados. Afinal, a concorrência está acirrada e você não quer jogadores “mimados” desistindo fácil, né? Os jogos, hoje, conduzem mais o jogador num caminho de menor dificuldade se comparados com os das épocas do Atari, Master System e SNES.

Estratégias e final do jogo

A Teoria dos Jogos é um ramo da Matemática que trata de situações de co-dependência estratégica que chama de ‘jogos’. Essas situações podem ser encarnadas, ou não, em jogos digitais. Tal teoria estabelece uma categoria peculiar de jogos: os infinitos, que se repetem indefinidamente até que os jogadores parem por algum motivo (nem que seja morrer de velhice). A estrutura desses jogos demanda estratégias especiais de seus jogadores. Por exemplo, como as negociações de paz no Oriente Médio tendem a ser um “jogo infinito”, a melhor estratégia seria não fazer concessões ao inimigo (soa paradoxal, né?!). Da mesma forma, se um campeonato esportivo sempre se repete podem surgir ‘manhas’ de trapaça em que jogadores combinam placares para mútuo benefício, como no sumô (caso citado no ótimo livro Freaknomics).

Sem-título
O fim do jogo é como o “X” marcando o destino desejado em um mapa.

Uma conclusão vinda da Teoria dos Jogos: jogos sem fim (repetitivo, em turnos e onde as informações da partida acabam sendo bem conhecidas) acabam gerando táticas otimizadas de jogar (um meta-jogo), bem como manhas para ‘finais alternativos’.

Mas isso se aplica quando o assuntos são jogos eletrônicos? Pra começar, eles podem ser classificados de diferentes formas. Para fins ligados a este artigo destaco uma: os jogos estão numa escala que envolve em um extremo os puramente ludológicos (voltados a ações e pontos, como disputas de lances de dado) e no outro estão os puramente narratológicos (onde a ênfase está em criar ou contar histórias, como o roleplaying infantil).

Os jogos de qualquer ponto nessa escala podem ter fim ou não. Alguns MMORPGs são (mais) narratológicos e, em tese, não precisam nunca acabar (como várias campanhas de RPG que participei onde o “final alternativo” era a paciência dos jogadores com as habilidades narrativas do Mestre).

Já alguns sand boxes podem ser bem ludológicos e também não tem nada parecido com um fim a ser alcançado após grande esforço. Um exemplo: o Arena Gods, sobre o qual já falei aqui, pode ser visto como um jogo (bem mais) ludológico e infinito onde o “final alternativo” está na sua energibada para continuar jogando.

Um jogo (praticamente) sem fim onde você deve produzir quintilhões de cookies?
Um jogo (praticamente) sem fim onde
você deve produzir quintilhões de cookies?

Outros jogos, como o Coockie Clicker, tem um fim plausível mas improvável. O jogo terminaria quando todos osachievements fossem coletados não restando nada mais para o jogador conquistar. Mas isso é tão demorado que praticamente ninguém consegue chegar a esse fim. Por isso disputam quão rapidamente chegaram a este ou aquele achievement difícil, mas raramente se conquistaram todos da lista. Cria-se assim um final alternativo: “Bom, eu joguei até o achievement tal. Foi até onde eu fui. E você?”.

Como fazer um jogo infinito e divertido?

Mas o fim não é algo que todos queremos? Afinal, não é divertido ‘zerar o jogo’ para mostrar isso pros amigos? A resposta é sim para boa parte dos projetos. Mas e se cair no seu colo a demanda de criar um jogo infinito e divertido?

Aqui vão algumas táticas para um game design desses:

  • Explore o “Replay Factor”. Falei disso no artigo em que trato de o que é diversão. Trata-se de dar “um final ao jogo que os faça quererem jogar novamente, talvez mudando as coisas para experimentar novidades”;
  • Enquanto for divertido criar coisas a seu bel prazer o jogador não procurará um fim. Pense no MineCraft e seu incessante convite para modelar cenários;
  • Projete expansões, patches, mods e formas diferentes de jogar (Isso gerou um jogo repetitivo de sucesso chamado League of Legends, hein?);
  • Dê aos jogadores o poder, enquanto comunidade de prática, de editarem o jogo e criarem conteúdos, roteiros, cenários próprios.

E o que não fazer para ter um jogo infinito de sucesso:

  • Nada de criar desafios impossíveis de serem superados;
  • Eventos aleatórios? Talvez. Mas use esse recurso com cuidado!
  • Evite histórias morosas e ações que demandam microgerenciamento. Em outras palavras, não reduza o ritmo da jogabilidade para mantê-los presos. Isso também vale para a distribuição de badges, troféus e afins.

E, para fechar, exercícios

  1. Pegue um jogo claramente finito que você goste e conheça bem. Pois bem, mude seu design para torná-lo infinito e chato. Depois, infinito e divertido!
  2. Bole um final para o Tetris!
  3. Faça do “Far Cry – Primal” (2016) um jogo narratológico infinito.

***

Artigo publicado originalmente em: http://www.fabricadejogos.net/posts/mecanica-de-jogos-parte-2/