Design & UX

12 dez, 2016

Usabilidade em games: X-Dengue

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No artigo de hoje, continuo aquela série sobre usabilidade de games que comecei analisando o divertido “Run Gringo Run”. Nesse artigo, eu falei bastante sobre o que é interface, usabilidade e outros conceitos operacionais importantes. Por isso, recomendo você ler o artigo anterior, se ainda não o fez, antes de ler este.

Agora é hora de falar do X-Dengue.

Sobre o X-Dengue

Gostei bastante desse jogo educativo. Em parte, porque o achei divertido. A jogabilidade simples e eficiente diverte: você mata os mosquitos, progride em cenários, armas etc. Em parte, gostei porque o objetivo educacional é relevante. Trata-se de informar e sensibilizar pessoas para prevenir uma doença que é caso de saúde pública no país!

Recomendo ler este artigo jornalístico sobre o jogo para saber mais sobre seu histórico e motivações de desenvolvimento.

O X-Dengue foi criado para uma monografia em Sistemas de Informação na UFOP, de autoria de Michele Santana Quintão.

Confira o resumo da monografia:

A dengue é um problema para a saúde pública no Brasil. Presente em todos os estados, o Aedes aegypti é também transmissor da zika e febre chikungunya. Diversas estratégias para prevenção e controle da doença têm sido adotadas, dentre elas a educação. Por exemplo, através da conscientização das pessoas sobre os hábitos e atitudes que possam afetar o ciclo de vida do vetor e impactar positivamente ou negativamente, reduzindo ou aumentando a população do mosquito, o ciclo de transmissão da doença. Nesse sentido, foi proposto neste trabalho o design de um jogo sério, educativo, com o intuito de conscientizar as pessoas e promover mudanças comportamentais favoráveis à prevenção e controle da transmissão da dengue. O documento de design do jogo (game design document) foi elaborado, e protótipos interativos foram desenvolvidos e avaliados. Os trabalhos futuros incluem a incorporação dos elementos de design propostos em futuras versões do jogo.

Para ler a monografia na íntegra, clique aqui.

Para saber mais sobre a jogabilidade do X-Dengue, clique aqui e veja o artigo do Fabiano a respeito.

Uma coisa interessante sobre o X-Dengue: ele concorreu e foi premiado no I SLAT Jogos, em outubro passado, aqui em Santa Catarina.

Análise da interface do X-Dengue

O game é jogável com o smartphone “deitado” (na posição horizontal). Com os dois polegares, é possível emitir comandos no jogo.

1. Navegação

No início, um tanto confusa. Na tela inicial, ainda há perguntas sobre conectar com uma conta antes de começar a jogar, e quando você chega ao main menu tem várias opções para escolher. Algumas delas não são óbvias. Por exemplo, na tela que mostra em que fase você está no jogo, há 3 ícones: um diamante, uma mochila e uma estrela. Como eles são do mesmo estilo visual das ilustrações, podem ser confundidos com elas, parecendo cenário. Seria melhor se tivessem mais “cara de ícone”.

2. Metáfora do caderno

Metáforas são importantes em design de interface, especialmente quando você quer gerar uma imersão em um ambiente familiar. No caso do X-Dengue, a metáfora usada foi a de um caderno escolar onde o protagonista, Pedrinho, parece estar escrevendo e desenhando.

A imagem a seguir mostra como o caderno escolar organiza a temática e visualmente o main menu do jogo:

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Contudo, às vezes parece que a história está sendo narrada em terceira pessoa, isto é, não por Pedrinho. A metáfora do caderno, que lembra um diário do protagonista, ficou meio confusa nesse ponto.

Os itens do main menu viram abas do caderno, e os itens são representados como ilustrações feitas a lápis por uma criança:

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Considero essa metáfora boa. Ela ajuda na imersão na narrativa. Mas, em alguns momentos, ela foi mal explorada. Me refiro ao fato de o caderno, as ilustrações e mesmo a tipografia usada fazerem parecer que é Pedrinho quem está escrevendo e ilustrando, mas de repente vem uma instrução que não poderia ter sido dada por Pedrinho:

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E mesmo uma ilustração de Pedrinho que deixa claro que o foco narrativo é na terceira pessoa.

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Sobre a metáfora do caderno, dá pra dizer que é muito boa, mas poderia ter sido melhor explorada. Por exemplo, o caderno poderia conter apenas anotações de Pedrinho, o que poria o foco narrativo em primeira pessoa e aumentaria a imersão do jogador (que se sentiria folheando o caderno de Pedrinho).

3. Falhas

Destacaria alguns detalhes da interface que, ao meu ver, prejudicaram minha experiência com o jogo:

a) O número no canto superior direito indicava quantos mosquitos matei, não a meta ou quantos faltavam.

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Seria mais intuitivo mostrar uma contagem de quantos faltam, concordam? Ou ambas coisas. Em vez de mostrar “7”(indicando “Você matou 7”), fazer aparecer um “7/20” (“Você matou 7 e sua meta é 20”).

b) O que é aquele quadro amarelo que aparece quando você clica em um mosquito? É pequeno, mas me incomodou porque parece um bug.

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Viu? Está na parte inferior central da imagem.

c) Clicar com dois dedos ao mesmo tempo não funcionou. Era preciso dar um clique por vez. Se o comando de dois cliques simultâneos funcionasse, a jogabilidade poderia melhorar um pouco.

d) O feedback por ter acertado um mosquito é uma pequena poça de sangue na tela, que some rapidamente.

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O sangue como sinal da morte do mosquito pode incomodar pessoas que não gostem de sangue. Soa estranho? Então segura esta: segundo as regras do ESRB, jogos que mostrem sangue vermelho não podem ser classificados como “Livres para todas as idades”. Lembro-me até de um violentíssimo jogo de luta em que fizeram o sangue ser verde para driblar essa regra. Dependendo de algumas circunstâncias, um jogo que use poças de sangue (vermelho) como feedback de sucesso pode até ter problemas se tentar a internacionalização. Pois é, caras… As coisa que rolam por aí, hein…

e) Uma última falha. Quando você vai no inventário de armas para matar os mosquitos, elas estão todas lá, coloridas, como se já constassem disponíveis no seu inventário. Então, você vai jogar e só tem a mão disponível para dar tapas nos mosquitos.

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Demora para entender que as outras armas (raquete, travesseiro…) não estão habilitadas ainda, e ficam à medida que você avança nas fases (sem precisar que sejam compradas ou algo assim). Alguns jogadores podem ficar frustrados por não conseguirem usar as armas que pareciam disponíveis. Uma coisa que cumpre destacar é que essas imagens são de um estilo bem adaptado à metáfora do caderno, mas depois reaparecem como ícones. Surge o mesmo problema que já mencionei de ícones que não parecem ícones, mas ilustrações in game.

Uso de Realidade Aumentada

Para finalizar, algo que não é bem uma falha de interface, mas pode gerar frustração e está relacionado a isso. É o seguinte: o jogo promete, no main menu, alguma experiência com Realidade Aumentada. Fui todo empolgado ver se os mosquitos iriam aparecer na minha casa, via Realidade Aumentada. Mas não. No lugar disso, tinha que imprimir um QRCode, e o efeito gerado seria apenas de visualizar um protótipo 3D do mosquito do jogo. Confesso que foi meio decepcionante =(.

Conclusão

O X-Dengue é um jogo divertido. A jogabilidade me prendeu a atenção, sendo que fiquei um bom tempo matando mosquitos para ver se progredia nas fases e armas, e curioso pelo que mais iria acontecer. Ser divertido é algo um tanto raro em jogos educativos. Portanto, nesse quesito, o X-Dengue está de parabéns.

A interface tem alguns problemas, mas nenhum sério. Coisa que alguns ícones novos, uns mostradores mais bem pensados dariam conta. Destaque para a necessidade de integrar a interface com a narrativa, o que ajudaria na imersão do jogador.

Vale lembrar que o X-Dengue foi feito para uma monografia universitária. Não teve os rigores mercadológicos (como a questão do sangue com a qual a turma da ESRB poderia implicar). Talvez inserindo esses rigores, no formato de protocolo de criação de interfaces, o jogo ficaria até mais divertido !