Design & UX

13 jun, 2016

Então, você precisa balancear um jogo?!

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Neste artigo darei algumas orientações introdutórias ao balanceamento de jogos. O texto foi pensado para pessoas já com algum conhecimento (não muito, vai!) em Game Design. O tema é bem mais denso do que mostrarei neste artigo e pode ser aprofundado de várias formas, incluindo discussões lógicas e matemáticas. Por isso, a ideia é tão somente oferecer uma panorâmica sobre o assunto para responder a seguinte questão: “que preciso saber para começar a balancear um jogo?”

Para que balancear jogos, hein?

Game Design é sobre conceber a estrutura geral de um jogo e, em seguida, projetar seus mínimos detalhes funcionais. E um dos principais detalhes a serem estabelecidos é a chamada “Mecânica”, que envolve fatores lógicos e matemáticos, como controle de turnos, pontuações, valor de recompensas, curva de aprendizagem etc.

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O fato é que quando se arquiteta uma estrutura detalhada dessas (que mais tarde será explorada de forma muitas vezes imprevista por jogadores), os desequilíbrios e problemas são comuns. Sempre sobram pontas soltas e alguma poeira acaba debaixo do tapete. Vem daí a necessidade de balancear o jogo. Isto é, tornar sua mecânica de regras equilibrada para que os objetivos de entretenimento sejam atingidos.

Se projetar um jogo é conceber uma estrutura e os seus detalhes de funcionamento, talvez balanceá-la seja comparável a ter certeza de que estes detalhes funcionarão em conjunto da melhor forma para que o propósito do jogo se realize. Isto é, para que ele seja divertido.

É fácil reconhecer quando um jogo está desbalanceado: ele é fácil demais (isso entedia), ou difícil demais (o que frustra). Ou então, nem fácil nem difícil: incoerente, com aquela impressão de coisa feita às pressas e que ficou sem muito sentido (o que costuma dar muito ensejo para trapaças e manhas).

Às vezes, o balanceamento é objeto da equipe de controle de qualidade. Contudo suas questões devem ser previstas de antemão pelo time de Game Design. “Que questões são essas?”, você pergunta. Continue lendo…

Alguns princípios fundamentais

O que justifica o processo de balanceamento? Resposta: tornar o jogo mais divertido, mais engajante para sua audiência. Portanto, antes de balancear, revise os objetivos do jogo; isto é, que tipo de experiência de entretenimento você deseja proporcionar para as pessoas para as quais o jogo foi feito.

São típicos objetos de balanceamento atributos quantificáveis como: pontos obtidos por méritos no jogo, atributos de personagens, custo em pontos e esforço de obter benefícios e a consistência lógica de regras. Por exemplo, você mal deu dois toques no botão e já marcou estrondosos 1000 pontos? Uau! Só que isso pode ser sinal de que o jogo está desbalanceado, hein… Ou então você levou horas para cumprir uma task e descobriu que mal avançou no mapa. Xiii… Será que queriam testar seu amor pelo jogo? Uma muito ruim: o chefão da fase te dá dois golpes e você, com sua armadura +3, de pronto morre sendo que não tem como arrumar uma armadura +10 em lugar nenhum! E quando você vai comprar sua máquina agrícola no Colheita Feliz e nunca conseguia porque ela era cara demais? Pois é…

Hora de retomar algo básico para melhor entender o balanceamento de jogo. Game Design começa com essa pergunta: “O que tornará esse jogo divertido para seus jogadores?”

Isso lhe responderá questões cruciais de balanceamento que estão interconectadas:

  1. Simetria: “O jogo será mais divertido se tiver condições iniciais iguais para todos os jogadores?”, “É melhor que o jogo seja sempre justo para todos ou devemos tornar as coisas mais difíceis?”. Por exemplo, o xadrez é um jogo (quase) perfeitamente simétrico uma vez que tem o mesmo número de peças para cada lado, sendo que estas têm as mesmas propriedades. Isso ajuda o xadrez a ser divertido, dentro de seu conceito de diversão. Mas sabe por que o quase? Porque é um jogo baseado em turnos. Quem começa está em vantagem. Ou seria em desvantagem?
  2. Relação entre dificuldade do jogo e habilidade presumida dos jogadores: “Quão difícil o jogo deve ser?”. Ok, ok… Todo jogo precisa ter (ao menos uma promessa de) ganhabilidade. Só que alguns foram feitos mesmo para serem mais difíceis que outros e uma carga imensa de desafios é a única forma de agradar quem gosta de hard fun.
  3. Ritmo: “A que passo a dificuldade deve aumentar?”, “Quantos desafios novos devem ser apresentados em cada fase?”. O ritmo diz respeito à carga cognitiva do jogador. Ok, você pode escolher jogar no modo very easy ou no ‘what the hell?’. Mas se o jogo não tiver essa seleção de modos, é melhor você se perguntar se ele progride numa velocidade adequada em termos de desafios, puzzles, cenários, fases etc.

Um exemplo de jogo muito simples e (acredito eu) bastante balanceado: o clássico Pong. Simetria perfeita de condições entre dois jogadores durante toda a partida; dificuldade inteiramente dependente das habilidades do adversário e ritmo ditado pela interação contínua entre os players.

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Não existe uma fórmula, mas várias

A essa altura você já deve ter deduzido que há diferentes abordagens de balanceamento. Uma das discussões mais comuns nessa área é a de balanceamento dinâmico versus estático. O dinâmico envolve o jogo se adaptar às ações do jogador, como quando você está mandando muito bem no CoD e percebe que os inimigos começam a ficar mais espertos. Já o balanceamento estático, que é o mais comum, consiste no planejamento e ajustes por parte de designers. Em geral o estático é feito antes do jogo ser lançado por meio de alfa-testes, beta-testes e afins; ou então pós lançamento, com atualizações, patches e novas versões.

Fora a questão “Dinâmico Vs Estático” há também escolhas casuísticas de design sobre simetria, dificuldade e ritmo. Lembram que eu comentei que Game Design é fundamentalmente sobre o que torna o jogo mais divertido? Pois é, cada projeto pode ter respostas peculiares a essa questão para o balanceamento e por isso há diferentes abordagens.

O game designer de um jogo de luta pode optar por criar personagens de poderes diferentes, mas equivalentes em agilidade e dano, como em Mortal Kombat; ou de capacidades francamente desiguais como em Street Fighter. Nem todo jogo precisa ser justo para ser divertido. Afinal há todo um gostinho especial em zerar com o Zangief precisamente pelo desafio implicado. Concluindo: conheça o perfil e expectativas de seu público-alvo antes de tomar esse tipo de decisão de balanceamento.

Tá, preciso balancear um jogo. E agora?

Alguns pré-requisitos:

  1. Você precisa de uma boa base em lógica (estou falando de Estrutura de Dados, principalmente. Espero que você programe ou ao menos adore algoritmos);
  2. Domínio de Excel ou equivalentes. Ah, e um conselho: se ainda não ama, aprenda a amar planilhas com números e muitos, muitos cálculos;
  3. Um pouco de Teoria dos Jogos, que é aquele ramo da matemática que tem muita cara de psicologia e te ajuda a identificar estratégias dominantes e prever situações decorrentes de interdependências entre jogadores.

O que recomendo em termos de procedimentos:

  1. Em termos de procedimentos quantitativos, destaco o uso de design de experimentos e de estatística. O primeiro se aplica quando você precisar fazer um teste AB; ou quem sabe separar um grupo controle e um experimental para avaliar se uma mudança de atributos torna o jogo mais simétrico ou não (design de experimentos é um tópico científico bem, mas bem mais complexo que isso, ok?). Já a estatística, tanto a descritiva quanto a inferencial, se explica porque você pode precisar fazer um teste-T para identificar se um grupo de jogadores submetidos a uma regra “X” pontuou diferente no teste de um outro grupo submetido a uma regra “Y”; ou fazer uma regressão linear para estimar a evolução de atributos de personagens no tempo; ou ainda o teste do coeficiente de Pearson para checar se, de alguma forma, atributos dos jogadores estão correlacionados com desempenho no jogo;
  2. Já em termos de habilidades de pesquisa qualitativa, seja um ótimo observador. Isso é o centro de tudo. Observar atentamente os comportamentos de jogadores é requisito chave para saber entrevistá-los e criar questionários apropriados também (que mais tarde serão tratados quantitativamente também). Como exemplo, uma vez pus uma galerinha de 12 adolescentes em uma Lan House (foi em 2005, ok? rs) para testar um jogo. Após horas de uma experiência, um tanto frustrante para a maioria deles, foi necessário uma boa habilidade em realizar um focus group verificando ao certo que rumos o balanceamento deveria tomar.

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Importante: Dominar tecnicamente os procedimentos citados anteriormente é vital. Mas de nada adianta essa desenvoltura operacional se você não tem plano estratégico para o balanceamento. Isto é, saber o momento certo de balancear e agendar esse tipo de intervenção. Afinal, há custos e outras questões para tratar com a equipe, o gestor do projeto e outras pessoas que assinam cheques. O bom game designer já antevê isso e interfere na gestão do projeto estabelecendo milestones de balanceamento. Por isso há testes de conceito, alfa-testes e beta-testes programados desde o momento de concepção.

Desafios especiais

Eu não disse que seria fácil, né? Paradoxalmente, balancear jogos é um problema bem desbalanceado. Alguns são incomparavelmente mais difíceis de balancear que outros. Destaco dois casos especiais:

  1. MMOs. Já houve até célebres teses de doutorado, como a de Edward Castronova, falando como MMOs são ambientes sociais complexos em que apenas a aplicação de economia comportamental pode surtir algum efeito para balanceá-los. Os MMOs já foram considerados até mesmo imensos laboratórios onde se testa, com jogadores, princípios reais de economia e política;
  2. MOBAs. Sabe o League of Legends? Ele é um case fantástico quando o assunto é metajogo. Basicamente, metajogos existem quando a mecânica de um jogo é tão sofisticada que fazer manhas e todo tipo de sortilégio para manipulá-la acaba se tornando uma experiência distinta de diversão para os jogadores. Boa parte da diversão nos MOBAs reside nas peripécias metalúdicas de equipes de atletas digitais. Só que para chegar a isso um jogo demanda uma incrivelmente bem pensada estratégia de balanceamento desde sua concepção.

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Sim, é bem mais fácil balancear um casual game de estourar bolinhas que a sua mãe joga no celular. Ou será que não?

Para concluir, alguns exercícios

Quer adquirir ou incrementar suas habilidades de balanceamento de jogos?

Então, eis aí alguns exercícios para você:

    1. Lembra que eu disse que Pong é um jogo bastante balanceado? Pois, invente formas das mais inusitadas possíveis, de desbalanceá-lo sem corromper o core concept do jogo. Crie modos assimétricos de jogar, mude drasticamente a curva “dificuldade x habilidade” e o ritmo. Seja criativo!
    2. Mude elementos da mecânica de Tetris de modo que ele se torne balanceado para jogadores hardcore. Em outras palavras, você vai rebalancear esse jogo para agradar maníacos por dificuldade. Dica: geometria é um bom começo;
    3. E agora um desafio: encontre possíveis falhas de balanceamento em um jogo mais que consolidado por gerações, o Pac-Man. Faça uma lista delas. Justifique porque cada elemento dela é desbalanceado e proponha melhorias nesse jogo cuja mecânica já foi validada por milhões de jogadores satisfeitos.

Boa sorte!

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Artigo publicado originalmente em: http://www.fabricadejogos.net/posts/entao-voce-precisa-balancear-um-jogo/