Carreira Dev

31 mar, 2014

Grupos de mulheres e TIC: software livre, empoderamento e autoinclusão

Publicidade

A existência de agrupamentos de mulheres que debatem, usam e/ou produzem software livre sempre foi um campo fértil para uma gama de críticas, que, erroneamente, consideram tais grupos sexistas. É preciso entender que sexismo é um tratamento desigual e discriminatório para homens e mulheres. Há sempre uma abordagem negativa e relações de poder quanto se trata de sexismo. Conceber que o mercado de trabalho deve ser dividido mediante o sexo do profissional tem conotação sexista. Julgar que mulheres são menos aptas ao trabalho na TI e que devem receber salários menores é sexismo.

Projetos que buscam o empoderamento das mulheres lutam para que seja dado a esse grupo o que historicamente e socialmente lhe foi negado. Aqui não há discriminação ou prejuízo. Logo, partindo do ponto de que é visível a baixa participação de mulheres nos projetos e eventos de software livre, a criação de políticas, projetos, eventos e cursos voltados para as mulheres tentam prestar o papel de promover esse empoderamento. Afinal, tenhamos por base que a participação de mulheres em eventos como Fórum Internacional de Software Livre (FISL), Campus Party BR e Latinoware está por volta de 15%, 29% e 23%, respectivamente, ou seja, uma porcentagem nada representativa da nossa sociedade.

A pesquisadora Graciela Natanshon (UFBA) nos questiona se a solução para essa divisão seria apenas impulsionar a presença de mais mulheres usando e desenvolvendo TICs e aponta para a necessidade de se repensar os sistemas de poder inerentes a essa área. Talvez em complemento a isso, podemos pensar segundo nos indica a pesquisadora catalã Nuria Vergés (Universidade de Barcelona), que propõe analisarmos o caso das mulheres na tecnologia a partir de uma visão “otimista crítica”, na qual as oportunidades e as motivações dessas mulheres precisam ser visibilizadas. Para tanto, ela se foca em mecanismos de autoinclusão promovidos por essas próprias mulheres.

Nesse sentido do empoderamento e da inclusão, temos a política antiassédio adotada pela 14ª edição do FISL, que, ainda, promoveu uma campanha de incentivo à presença de mais palestrantes mulheres no evento. Entre outros objetivos, campanha é uma resposta às demandas apresentadas por grupos de mulheres da comunidade, como o /MNT – Mulheres na Tecnologia, que colaborou com o reforço da necessidade de visibilidade do trabalho promovido por mulheres que não tinham como hábito participar e/ou palestrar em grandes eventos.

A comunidade do software livre do Brasil sempre esteve habituada com a presença de grupos de mulheres. Assim como o próprio grupo “mulheres” é plural e relacionado ao contexto em termos de cultura, história etc., cada um desses grupos, sejam os atualmente ativos ou não, possui os mais variados interesses, abordagens e projetos. De uma forma geral, participam do que podemos chamar de movimento de mulheres e apresentam diferentes níveis de ativismo feminista. Dentre as ações mais habituais desses grupos está a visibilidade de modelos de papeis femininos, bem com o incentivo às novatas que adentram esse meio. De certo, esse grupos funcionam não apenas em termos de ativismo, mas também são espaços de socialidade e troca de experiências em princípio mais amigável e menos competitivo, como almejam as GarotasCPBr.

Está a cargo desses grupos a promoção da igualdade e a crítica de gênero em eventos, empresas e outras organizações. Em termos práticos, também estão encarregados de promover a conscientização e a informação sobre temas como feminismo, gênero, mulheres do mercado de trabalho e na área acadêmica etc.

Se, por um lado, esses grupos possuem uma atuação de orientação política e social, há outros que estão mais atuantes em termos de capacitação e formação de mais mulheres técnicas. Essa é a principal atuação de grupos que estão diretamente ligados a grandes projetos de software livre, como o caso do Debian Women e do Gnome Women, bem como da série de eventos intitulados Rails Girls.

Independentemente dos meios e das abordagens, cada um desses grupos demonstra a necessidade do debate de gênero na TI, bem com o anseio dessas garotas e mulheres em se socializarem e autoincluírem. Contudo, o tema não é inerente ou exclusivo às mulheres, deve ser um debate amplo e envolver toda a comunidade.

***

Artigo publicado originalmente na Revista iMasters de fevereiro.