Desenvolvimento

3 set, 2014

Google Cardboard – realidade virtual para as massas

Publicidade

Com a colaboração de Murilo Queiroz*

 

O projeto Cardboard foi lançado em junho de 2014, durante a Google I/O – conferência que acontece todos os anos, desde 2008. Trata-se de uma surpreendente caixinha de papelão que transforma o celular em um óculos de realidade virtual muito convincente. Não é exatamente uma “invenção” do Google, já que existiam muitos outros projetos parecidos, como o da University of Southern California (que inclusive tem um feito de papelão também). Obviamente, o Cardboard tem suas limitações, mas é uma prova de conceito extremamente interessante, com características únicas.

Como o próprio nome já indica – cardboard é papelão, em inglês – os materiais utilizados para produzir e montar o Google Cardboard são muito simples e disponíveis em abundância no mercado, para que qualquer pessoa, sem muita dificuldade, possa montar o seu par de óculos: molde recortável em papelão, elástico comum, par de ímãs, duas lentes biconvexas, um par de velcros e uma tag NFC (opcional).

Parece bizarro, mas a partir desses ingredientes simplórios cria-se realidade virtual de alto impacto, com inesgotável potencial de uso prático e por um custo muito baixo (o kit completo sai de US$10 a US$15, no exterior). Aliás, é possível baixar o projeto e fazer tudo em casa; as maiores dificuldades são cortar o papelão (sem equipamento profissional é difícil ter precisão) e obter as lentes; por isso vale a pena comprar o kit pronto.

Peças que formam o kit Cardboard VR
Peças que formam o kit Cardboard VR

Para montar o Cardboard, destaca-se o papelão e se encaixam as partes indicadas nas instruções; já com os óculos montados, basta inserir o aparelho celular para começar a desfrutar de experiências surpreendentemente imersivas para um produto tão simples.

O mais interessante do Cardboard é que ele oferece uma experiência de realidade virtual relativamente convincente a um grande número de pessoas que sequer conhecem o termo. Ver a reação de crianças, idosos ou de pessoas sem muito envolvimento com tecnologia ao usar um óculos de realidade virtual pela primeira vez para ser “transportado” para um outro lugar (uma PhotoSphere de um lugar conhecido, por exemplo) é uma experiência interessantíssima, e demonstra o potencial do conceito.

Essa união de versatilidade e baixo custo com alto poder de fogo surpreendeu a comunidade de desenvolvedores em todo o mundo, já que, para se criar realidade virtual, sempre foi necessário utilizar equipamentos de alta tecnologia e preços proibitivos. Dessa forma, é impossível não comparar o Cardboard com outras tecnologias, como é o caso do Oculus Rift, que oferece uma experiência bastante imersiva e muito mais avançada (bota muito nisso!), porém custando algo em torno dos US$ 2 mil (se você incluir o custo do PC de alto desempenho que ele exige), e ainda utilizando fios para ligar os óculos ao computador, restringindo a mobilidade. Mas cuidado com julgamentos rápidos! Cada uma dessas tecnologias oferece vantagens e desvantagens de acordo com os tipos de aplicação desejados, conforme veremos mais adiante neste artigo.

O baixíssimo custo e a possibilidade de usar um telefone Android comum faz o Cardboard VR ocupar um nicho inacessível a produtos como o Oculus Rift: ele pode ser distribuído como brinde, juntamente com um aplicativo promocional, por exemplo, em eventos de divulgação. É fácil imaginar aplicativos em que várias pessoas usem os óculos ao mesmo tempo, interagindo entre si; já reunir o hardware necessário para fazer isso com o Rift é algo impensável na realidade atual.

Com o lançamento do Cardboard, o Google não apenas oferece realidade virtual de uma forma simples, divertida e barata, mas também apresenta ao mundo um novo tipo de relação, na qual o usuário faz parte da construção das soluções, sendo convidado a expandir o conceito de interface em mash-ups inusitados, criados a partir da combinação de tecnologias e objetos. Já havia outras iniciativas nesse sentido, como as do movimento Maker, mas o apoio do Google faz toda a diferença para isso se popularizar.

Comenta-se por aí que a ideia do Cardboard VR também é uma alfinetada no Facebook, que comprou a Oculus (start-up que criou o Rift e fez a realidade virtual voltar à moda) por um valor altíssimo. Com o lançamento, o Google basicamente está dizendo, em tom de brincadeira, que “o que o Facebook comprou por US$ 2 bilhões, a gente faz praticamente igual, usando papelão e por US$ 5!”. Obviamente, há grandes diferenças entre os produtos, mas quem já usou ambos se surpreende é com o quão próximo a solução barata chega do “estado-da-arte”.

Iniciando

Além de ter o par de óculos montado, é necessário ter o software instalado no celular. O aplicativo demo, chamado Cardboard, está disponível gratuitamente na Play Store. Nele já é possível degustar 7 diferentes experiência interativas, explorando diferentes características do 3D e da realidade virtual. Existem também vários demos no site Chrome Experiments, que funcionam utilizando o Chrome apontado para o endereço g.co/chromevr

Algumas experiências usando Cardboard VR e Chrome
Algumas experiências usando Cardboard VR e Chrome

Caso o celular possua a tecnologia NFC (Near Field Communication), ao inseri-lo no Cardboard o software iniciará automaticamente; caso contrário, basta executar o aplicativo da forma tradicional e, logo depois, fechar o velcro e colocar o elástico para proteger o aparelho.

Tudo pronto para começar. Basta agora colocar o Cardboard sobre o rosto, enxergando através das duas lentes biconvexas. Elas são responsáveis por permitir que nossos olhos consigam focalizar a imagem do celular mesmo ele estando tão próximo ao nosso rosto, criando um efeito visual muito bonito, que dá a impressão de estarmos em uma grande tela de cinema.

O menu principal do Cardboard demo é composto por 7 ícones, dispostos na horizontal. Ao girarmos a cabeça, mudamos também os valores do giroscópio no nosso celular, isso faz com que o menu se desloque, permitindo selecionar qualquer um de seus sete itens, sem precisar usar as mãos ou a voz. Para ativar um item selecionado, basta puxar o ímã localizado na lateral esquerda do Cardboard: trata-se de um botão magnético que pode ser substituído por um outro material condutor.

Detalhe do menu do Cardboard Demo
Detalhe do menu do Cardboard Demo

As opções disponíveis no menu do Cardboard demo são:

  • Street Vue: você dando um passeio por Paris. O vídeo toca enquanto podemos girar o rosto e olhar para todas as direções. Ao pressionar o magneto, a câmera para, congelando o frame, mas mantendo a realidade virtual. Bom para ver detalhes.
  • YouTube: você nunca imaginou o YouTube dessa forma! Um ambiente virtual contendo telas flutuantes e cujos vídeos podem ser buscados através de comandos de voz, evitando que seja necessário usar o teclado do celular. Já é oferecido o suporte a videos 3D.
  • Exhibit: objetos tridimensionais com efeito semelhante aos óculos usados no cinema, podem ser observados via realidade virtual, nesse demo (imagem ou víideo ilustrativo). É possível observar o QR code impresso na embalagem para fazer surgir o personagem em realidade aumentada.
  • Photosphere: as tradicionais fotos panorâmicas utilizadas em tours virtuais 360 são visualizadas aqui, só que ao invés de usar o mouse para navegar, basta girar a cabeça, algo muito mais natural e intuitivo.
  • Windy Day: um divertido demo utilizando gráficos 3D, retratando uma cena estilo cartoon, com personagens, objetos e efeitos sonoros. Trata-se de uma narrativa interativa muito imersiva.
  • Google Earth: o bom e velho Google Earth, agora sem as mãos. Basta girar a cabeça para ter a perspectiva atualizada dos ambiente. (imagem ou vídeo ilustrativo).
  • Tour Guide: um passeio virtual por Versailles, lindo, resolução incrível (imagem ou vídeo ilustrativo).

Para retornar ao menu principal, basta girar o Cardboard VR no sentido horário, 90 graus.

Como funciona a realidade virtual do Cardboard?

Ao contrário do que pode parecer, as lentes biconvexas não são fundamentais para gerar o efeito 3D. Para isso, basta ter duas imagens diferentes, uma para cada olho. Por isso é que vemos as imagens duplicadas na tela do celular, nos aplicativos para o Cardboard. As lentes servem para aumentar o campo de visão, e para os óculos ficarem menores, já que você não consegue focar numa tela a poucos centímetros dos seus olhos – e mesmo se conseguisse, o campo de visão seria estreito, como se estivesse usando binóculos.

As lentes naturalmente distorcem a imagem, principalmente nas bordas. Para evitar isso, entra em ação o algoritmo existente no SDK do Cardboard, que pré-distorce a imagem “no sentido oposto”, para quando a imagem passar pela lente chegar sem distorção aos seus olhos.

Dá para concluir que hoje é fácil fazer um VR headset, se comparado aos anos 1990s.

  • Você pode usar pouca óptica (só lentes simples), porque você pré-distorce em tempo real usando a GPU (se fosse um engine como o Doom original, baseado em ray casting, não tinha como fazer isso!).
  • Você tem uma tela de altíssima resolução e extremamente leve disponível (viva os smartphone com displays “retina-like”).
  • Essa tela já vem com acelerômetros/inclinômetros razoavelmente precisos (pra você saber para onde está apontando).
  • O que falta pra ficar realmente incrível: os inclinômetros do celular sofrem de “drift” (conforme você vai usando, vai introduzindo ao erro, até que você volta a cabeça pro lugar mas a imagem continua “torta”/olhando para o outro lado). E além disso a resposta do inclinômetro é lenta, tem muitos ms de lag. O jeito mais comum e eficaz de resolver isso é com “fusão de sensores”: o algoritmo junta dados de vários sensores diferentes para eliminar o erro e também prever o próximo valor, reduzindo muito a latência (lag). Aliás, esse é um dos segredos do Oculus Rift. O software é complicado e computacionalmente caro (normalmente é baseado num algoritmo chamado Filtro de Kalman), mas vale a pena.
  • O ponto dois é que com inclinômetros você só sabe pra onde a cabeça está apontada (os ângulos de roll, pitch, yaw). Falta saber se a cabeça se moveu (pra cima, pra baixo e pros lados, ou seja, X, Y e Z). Isso você faz com head tracking (um Kinect, por exemplo). A segunda versão do Oculus Rift, chamada Crystal Cove, já faz isso também.
Propaganda de sistema de Realidade Virtual nos anos 90
Propaganda de sistema de Realidade Virtual nos anos 90

  • Se você tem (Roll, pitch, yaw, X, Y, Z), sabe exatamente onde a cabeça está no espaço. Esses seis valores são os famosos “6 graus de liberdade”. Com eles, daria pra navegar totalmente no espaço tridimensional virtual; ao invés de só olhar em diferentes direções (como no caso da PhotoSphere), você pode se mover dentro desse espaço também.
  • O problema do X, Y, Z é que a grosso modo podemos fazer com GPS, mas para termos precisão, precisaríamos de algo externo, uma câmera (ou um Kinect) ou mesmo uso de marcadores de realidade aumentada para detectar onde a cabeça está (o celular usaria a própria câmera para rastrear onde estão os marcadores e assim saber a posição relativa da cabeça no espaço). Mais uma vez, combinar isso com a informação dos inclinômetros de maneira robusta é difícil, mas viável novamente usando fusão de sensores.

Quais as diferenças entre Google Cardboard e outros VR headsets?

Google Cardboard

  • Prós: baixíssimo custo, portabilidade
  • Contras: sem head tracking, resolução baixa, baixo desempenho da GPU, SDK pouco maduro

Oculus Rift

  • Prós: head tracking, integração com vários engines comerciais existentes, alta resolução, maior campo visual, baixíssima latência
  • Contras: custo; necessidade de um PC com hardware de vídeo high-end para obter qualidade máxima; conexão via cabo ao PC; sem câmera (não serve para realidade aumentada). Ainda em desenvolvimento (os kits para desenvolvedores já estão disponíveis, mas não é vendido para o público em geral).

O Sony Morpheus (para o Playstation 4): bastante semelhante ao Oculus Rift, mas ainda é um  protótipo.

Sony Morpheus
Sony Morpheus

Outros óculos similares ao Cardboard:

Algumas opiniões sobre o Google Cardboard VR:

“O Cardboard é a síntese da cultura DIY (Do It Yourself) aplicada ao mundo da inovação tecnológica. É legal de montar, de usar e mais legal ainda de imaginar trocentos usos possíveis”. (Rubens Aguiar – Tom Labs)

“O que mais me impressionou no cardboard foi a simplicidade. É uma ideia fantástica, com uma experiência completamente nova para a maioria dos usuários, mas utilizando um simples molde de papelão como material prima. Os caras saíram dessa onda que vivemos onde inovação está quase que totalmente atrelada à tecnologia e verba necessária. Só isso já faz o Google Carboard um projeto que merece atenção e respeito”. (Ivo Antonione – Solution Comunicação)

“Barato, inteligente e generoso. Ganhou minha admiração pela simplicidade com que entrega uma experiência incrível, além de ser um projeto aberto e acessível, diferente dos principais concorrentes”. (Guilherme Araujo – RC Comunicação)

Como faço para comprar? Quanto custa e onde compro?

É possível encontrar tanto o kit completo – montado ou pronto para montar –, quanto as peças isoladamente em sites como DX e Alixpress. Adquirindo no atacado é possível construir o kit por volta de US$ 7.

Tratando-se de um projeto aberto, é interessante notar que já existem diversas pessoas pelo mundo fabricando, aperfeiçoando, vendendo kits e add-ons para o Cardboard. É possível melhorar a ergonomia, adicionar novas features, e é justamente essa abertura para novas possibilidades que fazem do Cardboard um projeto tão fascinante.

Vai funcionar em quais tipos de celular?

A maioria dos celulares Android mais modernos são compatíveis com o Cardboard. Quando maior a resolução da tela, e mais rápido o smartphone (especialmente o hardware 3D, ou seja, a GPU), melhor. É preciso ficar atento com os modelos que possuem giroscópio simulado, pois não funcionarão.

Como é que se desenvolve para Google Cardboard?

O primeiro passo é usar o próprio SDK oferecido gratuitamente pelo Google. Já existem iniciativas para desenvolver aplicativos compatíveis com o Cardboard usando engines famosos, como a Unity3D.

***

*Murilo Queiroz é Mestre em Engenharia Eletrônica pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), trabalha na divisão de hardware da NVIDIA e é um apaixonado por hardware, games, aprendizado de máquina, retrocomputação, escultura e um monte de outras bizarrices.